segunda-feira, 12 de abril de 2010

Plurilinguismo




A Língua Portuguesa deixou de ser propriedade de Portugal já faz algum tempo. Devido às relações comerciais e políticas que Portugal mantinha com países da América, África e até do Oriente, nossa língua passou a ser falada em vários lugares do mundo. No entanto, apesar de no Brasil estarmos acostumados a ouvir, e também a falar, apenas uma língua, nos parece extremamente estranha a situação de falantes de Língua Portuguesa em Cabo Verde e em Guiné Bissau, por exemplo.

Em tais países, a Língua Portuguesa é a língua escrita em qualquer situação. A Língua da escola. O crioulo por sua vez é a língua do convívio, a língua que se fala entre os amigos na escola, entre os familiares em casa, ou seja, nas relações informais. Em Cabo Verde, por exemplo, apesar de o Português ser quase que uma língua de prestígio, os falantes reconhecem que só podem expressar sua identidade cultural por meio da língua materna.

Em Guiné-Bissau, a Língua Portuguesa foi instituída como língua oficial antes mesmo da independência do país que se deu em 1976. No entanto, mais de 10 línguas eram faladas em tal país, e muitas delas caracterizam determinadas etnias. Também em Guiné-Bissau o Português foi instituído como língua de ensino e o crioulo permaneceu como língua de comunicação informal. Na administração, tanto português quanto crioulo são usados. Alunos de Guiné-Bissau relataram, em sala de aula, que para a maioria deles é normal estudar Português na escola, falar crioulo como os amigos e em casa conversar em língua materna com os pais. Eles explicaram que muitos pais sentem-se no dever de ensinar seus filhos suas línguas maternas (mesmo que sejam duas, uma do pai e uma da mãe) para que tais línguas não sejam extintas.

Essa situação de plurilinguismo pode ser encontrada em muitos outros países falantes de Língua Portuguesa. Em Moçambique, por exemplo, o Português é a língua falada pela elite escolarizada, mas há crianças que já o têm como Língua Materna. Em Angola o que se percebe é que é grande a diversidade étnica e cultural. A maior parte da população tem como língua materna uma língua local. O Português é tratado e ensinado como segunda língua e são muitas as diferenças estruturais e lexicais entre o Português de lá e o brasileiro. Ainda podemos citar Timor Leste e Luanda como países onde se pode perceber um plurilinguismo latente. Em Luanda, no entanto, o uso de línguas locais é minoritário.

Formação da Língua Portuguesa

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A História da Língua Portuguesa remonta ao século III a.C.. O processo de romanização da Península Ibérica foi o marco inicial do desenvolvimento do Português. O Latim se difundia à medida que os romanos avançavam Península a dentro. Os diferentes substratos tiveram sua parcela de contribuição para as peculiaridades de cada uma das línguas que foram se desenhando na Península e posteriores invasões trouxeram consigo os superstratos que, mesmo que de forma mais branda, também influenciaram na formação das Línguas. Quanto ao Português, costuma-se dividir sua História em cinco fases.

À fase do Português pré-literário corresponde um período de tempo em que a língua falada se distinguia muito da língua escrita. Enquanto a língua utilizada para registros escritos era o Latim, a língua que se falava era o romance. A partir do século XII, tem início o período do Português Antigo, cujo marco inicial são os primeiros textos escritos em Português. Esse período, que se estenderá até o século XV, caracteriza-se por uma fase comum ao Galego e ao Português. Este foi um período, caracterizado pela dificuldade, já anunciada na fase do Português pré-literário, que se enfrentava em registrar uma língua, já bastante elaborada, por meio dos recursos limitados do Latim. Parece importante salientar, mesmo que rapidamente, alguns pontos interessantes em relação aos sistemas vocálico e consonantal do Português Arcaico (entendido este como o português dos séculos XIII e XIV), pois muitas das mudanças que se deram em nossa língua têm origem em processos de supressão, adição, substituição e transformação de vogais, consoantes, encontros vocálicos entre outros.

O Português da fase arcaica surpreende devido à abundância de seqüências hiáticas que surgiram devido ao apagamento das oclusivas sonoras e do N e L intervocálicos. Exemplos dessas seqüências são: VIDI > vi-i > vi; SOLO > so-o > só; MANU > mã-o > mão [ãw]. Em vi e em só, à síncope da oclusiva e do L intervocálico, sucedeu-se a contração das duas vogais. Em teia o que se observa é a inserção de uma semivogal TELA > tea > teia. Em mão, o hiato foi resolvido pela ditongação. Aqui ocorreu o alargamento do elenco vocálico do Português pela aquisição de ditongos nasais.

Quanto ao sistema consonântico, uma das diferenças do Português Antigo em relação ao atual é a existência de fonemas africados. A semivogal palatal /j/ que surgiu como uma das soluções para alguns hiatos latinos, palatalizou algumas consoantes, que evoluíram para novas consoantes. A oclusiva dental /t/ ou vela /k/ antes de /j/ resultou na africada palatal /t /. No Português essa africada despalatalizou: TERTIU > ter[tj]o > ter[tsj]o > ter[t ]o > ter[ts]o > terço. A velar /k/ junto à vogal palatal resultou na africada dental: CENTO > [ts]ento > cento. Em contextos intervocálicos essas africadas podiam sonorizar: PRETIARE > pre[ts]ar > pre[dz]ar > prezar. O sistema do Português arcaico passou a apresentar quatro elementos distintos: duas africadas predorsodentais [ts] e [dz] e duas fricativas apicoalveolares [s] e [z]. No ramo palatal se distinguiram também quatro elementos resultantes de processos de palatalização e dos grupos latinos iniciais PL, CL e FL: PLANO>[t ]ão, chão; PASSIONE > pai[ ]õ, paixão; GENTE > [d ]ente, gente; BASIU > bei[ ]o, beijo. A africada palatal sonora simplificou e convergiu com a fricativa / / na fase inicial do Português Arcaico, mas a africada palatal surda ainda se conserva no dialeto setentrional do Português. Na grafia tem-se para /t / e / /, respectivamente,
e . Esclarecidos esses fatores passemos à Fase de grandes transformações históricas.

Galego e Português começam a diferenciar-se a partir do século XIV quando o Português, acompanhando o processo de expansão territorial de Portugal, passa por um movimento de elaboração e estandardização e fixa-se como língua nacional. À próxima fase do desenvolvimento da língua portuguesa corresponde um período repleto de transformações sócio-históricas e lingüísticas, um período que assiste à derrota da aristocracia rural do norte de Portugal pela burguesia em ascensão, na assim conhecida Batalha de Aljubarrota. A partir desse momento o centro político de Portugal desloca-se para o sul. Esse período, conhecido como Português Médio (ou pré-clássico), vai do século XV ao século XVI e apresenta um Português cada vez mais elaborado e que caminha para uma padronização com base literária, e para uma diferenciação ainda maior em relação ao Galego.

O período seguinte é marcado por uma reflexão metalingüística sistemática ou seja, por um esforço pela normatização. O Português Clássico tem início com a impressão da Grammatica da Lingoagem de Fernão de Oliveira em 1536 e se estende até o século XVIII. As mudanças pelas quais o Português passa nesse período são resultado de um conjunto de fatores que, embora diversos, colaboraram em conjunto para o rascunho de uma atitude científica em relação à língua: o Renascimento e os Descobrimentos são alguns desses fatores. O padrão lingüístico é estabelecido por meio do ensino, da disciplina gramatical, da literatura e da imprensa.

Ao Português Moderno corresponde o período do século XVIII até os dias atuais. Ao que parece, a língua não passou por mudanças extremas nesse período. A tecnologia e o ensino têm sido

responsáveis pela difusão da língua. O Português deixou de ser “propriedade” de Portugal e passou a ser instrumento de comunicação em diversos lugares com os quais Portugal mantinha relações comerciais e/ou políticas (principalmente de relações de domínio), sendo falado na América, na África e no Oriente. Alguns autores afirmam que é possível a compreensão entre europeus, africanos e americanos, no entanto, as diferenças dialetais são imensas e parecem influenciar sobremaneira a comunicação entre essas comunidades.

Conscientes da importância da união entre países que compartilham uma mesma língua, Portugal, Brasil e alguns países da África assinaram, em 1996, a declaração constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cuja maior atribuição consiste em administrar questões relativas a políticas de idioma, de língua, lingüísticas e de ação educacional, todas voltadas para a preservação das línguas locais, onde seja o caso, e para a difusão da Língua Portuguesa.
OBS.: As inscrições dos símbolos fonéticos ainda não estão completas.

Fonte:
CARDEIRA, Esperança,
"O Essencial sobre a História do Português". Editorial Caminho, 2006.

domingo, 11 de abril de 2010

Resenha - Filme "O preço de um desafio"

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O filme “O preço de um desafio” apresenta a história de um professor que, mesmo diante de muitas dificuldades, se esforçou para mostrar para seus alunos que eles eram capazes de passar em um exame de seleção para a Universidade. O bairro em que esses alunos moravam era praticamente um bairro de latino-americanos e essa ascendência lhes custava caro, pois sofriam muito preconceito. Até mesmo os professores da escola não acreditavam na capacidade desses alunos. Quando o professor levou ao grupo docente a proposta de ensinar Cálculo aos alunos, como uma forma de prepará-los para o exame, ele não foi bem aceito. Ninguém acreditava que eles seriam capazes de aprender.

O professor encontrou muitos obstáculos nesse desafio, pois, apesar de acreditar na capacidade da turma, ele sabia que muitos dos alunos não acreditavam em si mesmos e muitos não teriam o apoio da família. O mestre usou de muitas estratégias para conquistar a confiança desses alunos e convencê-los das próprias habilidades. Ele depara-se com um aluno que fazia parte de gangues, cuja única preocupação era manter a reputação de perigoso. Sua estratégia quanto a esse aluno foi impor-se tanto quanto ele. Houve uma situação em que o professor encontra-o quase entrando em uma briga e agarra-o demonstrando que é tão forte quanto ele e que não o deixaria complicar ainda mais a própria vida. Nesse momento, em que a força física era o sinal de poder, o professor mostrou que era tão poderoso quanto o aluno e acabou conquistando a confiança deste. Tanto que mais tarde, esse mesmo estudante pede ao professor que lhe dê três livros para que ele não precise andar com um só e ser visto como um nerd; em troca ele lhe daria “proteção”.

Muitas foram as estratégias do professor, e em muitas delas é possível reconhecer a aplicação de técnicas behavioristas. Quando algum aluno chegava atrasado o professor aplicava uma punição positiva, apresentando um estímulo aversivo (que, no caso, era o constrangimento do aluno frente a toda a turma) e diante desse estímulo, a resposta inadequada (o atraso) deveria ser extinta. Outro exemplo era fazer a turma se sentir como um grupo, uma equipe, reforçando-os positivamente para que apresentassem o comportamento de união e esforço. Quando algum aluno causava transtorno à aula, não se submetendo às regras, o professor aplicava-lhe uma punição negativa, retirando o estímulo que era a sua atenção, com vistas à extinção daquele comportamento. Quando o professor sugeriu que freqüentassem aulas durante o verão, ele teve que fazer uso de vários reforçadores positivos. Por exemplo, ele estava sempre ressaltando a possibilidade de conquistarem um lugar na Universidade e mostrando que com isso eles poderiam mudar de vida. Sempre que algum deles apresentava uma resposta correta ele o reforçava com um elogio. E quando a resposta era semelhante, próxima da resposta pretendida, ele usava a técnica de aproximações sucessivas, reforçando as respostas que fossem mais similares à resposta correta.

Dessa forma o professor conquistou a confiança dos alunos e acabou por convencê-los a freqüentar o curso de verão e, depois quando eles foram acusados de colar durante o exame, conseguiu convence-los a prestarem novamente o exame e mostrar que eram realmente capazes daquilo que haviam conquistado. O filme mostra, então, a importância de estimular o aluno para que ele se sinta motivado a se esforçar para conquistar os seus objetivos. Muito importante também é auxiliar o aluno no estabelecimento desses objetivos, pois muitos deles nem acreditavam que podiam sonhar.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O valor do altruísmo no filme "Prova de Fogo"

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Pesquisas têm mostrado que o número de divórcios tem subido cada vez mais ao longo dos últimos anos. Segundo matéria publicada no site do jornal O Estado de São Paulo (www.estadao.com.br), com base em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o divórcio no Brasil, em 2007 a taxa de divórcio chegou a “1,49 por mil (1,49 divórcios por cada mil habitantes), crescimento de 200% em relação a 1984, quando era de 0,46 por mil. Em números absolutos os divórcios concedidos passaram de 30.847, em 1984, para 179.342 em 2007”. Diante de um quadro desses, sustentar que há uma outra solução para um casamento desgastado é algo extremamente complexo e igualmente polêmico.

Apesar das estatísticas, essa foi a proposta da Igreja Batista Sherwood, no estado norte-americano da Geórgia, ao produzir “Prova de fogo”. O filme retrata a história de um casal sem filhos cuja convivência se tornou insuportável devido à falta de diálogo e ao egoísmo, pois ambos estavam interessados apenas em seus respectivos planos e sonhos. A situação chega a um nível tão critico que a única solução vislumbrada pelo casal é o divórcio.

Para representar a situação desse casal os atores apresentam uma série de comportamentos considerados indesejáveis para uma relação conjugal. Apesar de seu caráter ficcional, o filme retrata situações frequentemente vividas por casais em crise. A concepção cristã do comportamento reprovável e prejudicial perpassa todo o filme. A falta de diálogo afeta profundamente a relação do casal que, com o passar dos anos, deixou de se comunicar, tanto pelo fato de que tudo se tornara rotina e criam não haver mais nada que compartilhar, quanto pelo fato de que ambos se dedicavam quase que exclusivamente aos seus próprios planos e rotinas. O egoísmo e o individualismo são temas reiteradamente abordados ao longo do filme. Na realidade, o enfraquecimento dos vínculos afetivos se mostra como resultado justamente desse afastamento do casal.

A primeira terça parte do filme apresenta os desentendimentos vividos pelos cônjuges, desentendimentos estes que têm seu ápice em uma discussão na qual, depois de ser cobrado pela esposa a respeito de suas responsabilidades no lar, o marido violentamente sugere o divórcio. Depois dessa discussão, a mulher decide definitivamente pela separação. Apesar de demonstrar querer o fim do relacionamento, o esposo, após ser insistentemente interpelado pelo pai, revela que, se fosse possível, desejaria, sim, salvar seu casamento, porém não acredita nessa possibilidade. O pai lhe oferece então um livro cujas instruções deveria seguir por quarenta dias.

O livro, composto por quarenta capítulos que continham instruções a respeito de como comportar-se, como tratar o cônjuge, que atitudes evitar e que hábitos cultivar, deveria ser lido e praticado todos os dias, um capítulo por dia. Por meio das instruções contidas neste livro o filme apresenta o perfil da “relação saudável”, verdadeiramente cristã. Dessa forma, em contraste com aquelas atitudes individualistas o esposo deveria esforçar-se para adotar um comportamento altruísta, solidário e atencioso.

Nos primeiros dias do desafio, o homem seguiu as orientações do livro sem, contudo, demonstrar sinceridade em seus atos. A mulher permaneceu indiferente à mudança do marido e chegou até a pensar e comentar com as amigas que o único interesse dele seria conquistar sua confiança para que ela não exigisse nada no divórcio. Percebe-se aqui, uma questão central da doutrina cristã: enquanto o homem não aliou às novas atitudes uma nova maneira de compreender a esposa, de amá-la, ele não obteve sucesso em suas investidas, ou seja, “A fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta...” (Tiago II, v. 17, Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, São Paulo, Editora Vida, 2001). Ao representar essa contradição o filme combate, mesmo que indiretamente, muitos dos comportamentos que são adotados no interior das famílias: de que adianta um esposo presentear a mulher talvez com o único objetivo de aplacar sua ira, se não nutre por ela um sentimento real que se revele por meio de atitudes até menores que um presente, como por exemplo, o simples ato de tomar para uma de suas responsabilidades em dias difíceis? Qual o valor de uma mesada para a vida de um filho, se este não tem a figura paterna presente em momentos de crise? De que vale um buquê de flores, um cartão com um “eu te amo”, se, na realidade, para o esposo, isso não passa de frivolidade? Nas entrelinhas das cenas que se sucedem, esses são alguns dos questionamentos que se percebem submersos.

A situação desse casal se complica ainda mais quando a esposa passa a ser seduzida por outro homem, também casado. A inserção de outro personagem comprometido na trama cria um interessante efeito. Se para esse segundo homem a traição se mostra como algo normal, externo à sua estrutura conjugal e incapaz de afeta-la, a tal ponto que ele não empreenda nenhum esforço em resistir à atração que sente por essa jovem, por que deveria o protagonista esforçar-se por salvar seu matrimônio, enfrentando a indiferença, o ódio e o desprezo de uma mulher que ele cria já não mais amar? Seria, talvez, mais fácil encontrar uma outra mulher prontamente disposta a retribuir-lhe a afeição.

Mesmo diante de tais conflitos o esposo não desiste, afinal, havia assumido um compromisso, primeiro com seu pai, depois consigo mesmo. Acostumado à disciplina, pois trabalhava como bombeiro militar, o homem persiste, até que aquelas simples atitudes deixam o domínio das “obras” para tornarem-se verdadeiras expressões de sua própria “fé”. Assim ele abandona, aos poucos e não sem sofrimento, o seu egoísmo, seu individualismo e chega à conclusão de que quer sim salvar seu casamento. A esposa demorará a reconhecer como verdadeiras as atitudes do marido, mas uma delas a surpreenderá a ponto de transformar o seu desprezo em admiração. Tal mudança se opera quando o marido abre mão de um sonho ao qual se dedicara nos últimos sete anos: a compra de um barco. Ele emprega todo o dinheiro que economizou na compra de equipamentos médicos para a sogra que sofria já há muito tempo com as dificuldades de uma esclerose múltipla. Nesse momento ela compreende que seu marido realmente havia mudado e decide, até, participar dessa mudança, ou seja, ela própria passa a querer abandonar seu comportamento egoísta em prol do seu casamento.

Ao apresentar de forma tão realista os conflitos desse casal os produtores do filme se esforçam por provar que o divórcio não é a única saída para os problemas matrimoniais e que, mesmo que um casal acredite que não haja mais amor no relacionamento, esse amor ainda pode estar lá, apenas aguardando ser despertado por simples atitudes, pelo simples ato de abrir mão de alguns sonhos individuais em benefício de um plano maior: a vida a dois.


Por Lorena Brandizzi

Outubro de 2009

Artigo de Opinião: A difícil situação do trânsito em Brasília

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O problema do trânsito em Brasília já adquiriu proporções similares às de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. As causas para os infindáveis engarrafamentos que surgem nos horários de pico são muitas e têm origem tanto nas atitudes dos próprios motoristas, quanto nas ações ou omissões de órgãos responsáveis pela engenharia das vias e pela fiscalização do trânsito.

Quanto aos motoristas, o que se percebe são atitudes que refletem imprudência e imperícia além da falta de ética no trânsito. As escolas preparatórias para a obtenção da CNH preocupam-se mais em garantir que os alunos sejam aprovados nas provas oficiais do que em proporcionar-lhes o desenvolvimento de uma conduta ética e prudente ao volante. Mudanças na legislação referente às Auto-Escolas, que obrigassem o estudo mais detalhado da direção defensiva, por exemplo, poderiam melhorar

A incompetência dos motoristas não é o único fator que contribui para os engarrafamentos. A engenharia das vias ocupa lugar central nessa problemática. A impressão que se tem ao percorrer as vias do centro de Brasília é que elas foram planejadas para a circulação de um número de carros infinitamente inferior ao que se constata atualmente. Brasília, que já ocupava a posição de centro político, já se tornou um centro econômico e cada vez mais tem adquirido status de centro acadêmico e cultural. Por ser a capital do país, Brasília concentra um grande número de órgãos públicos e, consequentemente, uma multidão de funcionários públicos se desloca todos os dias para cá. Há também os trabalhadores das empresas privadas, de shopping centers, entre outros. Muitos deles decidem dar continuidade aos seus estudos em faculdades próximas ao local de trabalho, justamente para evitar o trânsito pesado do retorno à cidade satélite. Como não voltam para casa durante o dia, é aqui que se alimentam, fazem compras e se divertem. O número de pessoas que seguem essa rotina só tende a aumentar, e na mesma proporção aumentarão os engarrafamentos se as vias continuarem as mesmas.

As autoridades públicas também têm sua parcela de responsabilidade, pois as mudanças na engenharia e na fiscalização do trânsito dependem de atos oficiais. Parece importante ressaltar que Brasília tem assistido a uma verdadeira maratona de obras nos últimos três ou quatro anos. Como nunca antes, as autoridades voltaram suas atenções para o estado crítico em que se encontra o trânsito em todo o Estado. Não vem ao caso discutir as motivações para essa mudança de atitude. O que interessa é que mudanças estão sendo empreendidas e que elas têm afetado o trânsito, inicialmente, de forma negativa, pois várias faixas têm sido interditadas para dar continuidade às obras, como é o caso da EPTG e da EPNB. Parece que o que se pode fazer é aguardar o término dessa “estação de obras” para ver se alguma melhoria acontecerá.

O problema da engenharia de trânsito passa por outras áreas além da criação e ampliação de vias: há também a questão dos pardais, das barreiras eletrônicas, das faixas de pedestres e dos semáforos. Quanto a estes, o que parece é que muitas vezes não há um estudo sistemático das vias antes da instalação dos equipamentos e do posicionamento das faixas, ou quando há, este se dá de forma superficial e sem uma preocupação com os desdobramentos que a interrupção do movimento dos carros acarretará no trânsito, principalmente quanto aos semáforos que em sua maioria são os mesmos de vinte ou trinta anos atrás. Já é hora de se considerar o trânsito do Distrito Federal como um “organismo” estruturado, cujo bom funcionamento como um todo dependerá de medidas interligadas e não de pequenas adaptações isoladas.

Por Lorena Brandizzi

Jeremias - O profeta da Esperança

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INTRODUÇÃO

Jeremias é apontado como um homem triste e choroso. Para muitos ele é tido como temperamental e neurótico. Entretanto, a leitura cuidadosa do Livro de Jeremias nos revela um homem de grande força interior, capaz de ter e apregoar esperança em meio a um terrível cenário de destruição e desolação. Ele recebeu a Palavra do Senhor e creu nela: creu na chegada de novos tempos em que Deus faria uma nova aliança com Seu povo.

Em diversos momentos o profeta demonstra todo o sofrimento interior que o cumprimento de sua missão lhe causa. Além dos conflitos interiores, ele também sofre perseguições, agressões, prisões e rejeições. Jeremias não pode ser considerado (e não é) um herói-modelo. Não se mostra confiante nem forte o tempo todo. Além disso, não foi sempre bem-sucedido, pelo menos aos olhos dos homens, porque aos olhos de Deus se apresentava como fiel cumpridor da missão a ele conferida. Podem-se perceber diversas semelhanças entre Jeremias e o Messias. O ministério e a missão de Jeremias são perfeitamente retratados na vida de nosso Senhor. Ambos foram homens de dores, experimentados nos trabalhos (Is 53.3). Jeremias também haveria de se perguntar: “Quem deu crédito à nossa pregação?” (Is 53.1; Jr 17.15).

I - BIOGRAFIA DE JEREMIAS

Data de nascimento: provavelmente entre 650 e 645 a.C., nos últimos anos do reinado de Manassés (697-642 a.C.).

Idade à época do chamado (626 a.C., no 13º ano do reinado de Josias (640-609 a.C): aproximadamente 20 anos.

Filiação: filho do sacerdote Hilquias (o mesmo que achou o livro da Lei na Casa do Senhor no 18º ano do reinado de Josias (?)). Provavelmente viria a ser sacerdote como seu pai.

Local de Nascimento: nasceu em Anatote (atual Anata), vila que ficava cerca de 5km a nordeste de Jerusalém, dentro do território de Benjamim. Parece ter sido uma cidade levita dos tempos de Josué (Js 21.18). Era também a cidade de Abiatar, sumo sacerdote da época de Davi. Jeremias poderia ser de sua família (?). OBS.: A tribo de Levi não tinha um território próprio como as outras tribos. Os levitas moravam em vilas situadas dentro do território de outras tribos (Js 13.33; Js 21.1-3).


Estado Civil: solteiro por ordem do Senhor (Jr 16.2,3), pois não haveria esperança para famílias formadas naquela época (Jr 16.4).

Duração de seu ministério: de 626 (13º ano do reinado de Josias) a 586 a.C (queda de Jerusalém).


II - CONTEXTO HISTÓRICO DO LIVRO DE JEREMIAS

- Império da Assíria: alcançou seu apogeu e declínio nos primeiros anos de Jeremias, sob o comando de Assurbanipal, que morreu em 626 a.C., deixando o império totalmente enfraquecido, incapaz de resistir aos ataques dos cimérios e dos citas ao norte e oeste e às invasões dos caldeus e medos ao sul e leste (vide O Império Assírio). Em 612 a.C., Nabucodonosor, comandando um exército unificado de caldeus e medos, cercou e destruiu a capital da Assíria, Nínive. Alguns líderes assírios ainda fugiram para o oeste e tentaram reorganizar o exército, fazendo ainda uma aliança com o Faraó-Neco do Egito, que subiu pela costa Palestina ao encontro dos assírios, derrotando, durante o caminho, a Josias, rei de Judá, que estava em Megido (na Batalha de Megido – 608 a.C.). A aliança assírio-egípcia foi derrotada por Nabucodonosor na Batalha de Carquemis (606-605 a.C.), uma das batalhas mais decisivas do mundo antigo (Jr 46.2). Neco voltou para o Egito envergonhado e a Assíria sumiu para sempre.

- Israel, o Reino do Norte, já havia deixado de existir havia muito tempo: caiu em 722 a.C., durante o cerco organizado por Salmaneser V (e depois por Sargão II), rei da Assíria. Sua queda se deu durante o reinado de Oséias, que seguira o caminho de seus 18 antecessores (vide Reis e profetas de Israel e Judá), levando o povo a continuar em seu caminho de pecado e idolatria (sobre a divisão entre Reino do Norte e Reino do Sul vide Os Reinos de Judá e Israel).





- Em Judá: Manassés reinou por 55 anos, período de grande idolatria e apostasia no meio do povo de Deus. Durante o seu reinado, muitas práticas pagãs foram importadas da Assíria e das nações vizinhas: rituais de fertilidade que envolviam prostituição no templo, sacrifícios a deidades astrais nas ruas de Jerusalém, sacrifícios humanos, principalmente de crianças, nos lugares altos (vide anexo 5, A idolatria de Judá). Ele chegou a sacrificar seu próprio filho a Moloque (II Rs 21.6). As pessoas “adoravam” a Yahweh juntamente com as deidades pagãs (sincretismo religioso). Após sua morte, seu filho Amon sobe ao trono e reina por apenas dois anos, seguindo todos os caminhos de seu pai. Ele foi morto por seus servos em sua casa e seu filho Josias reinou em seu lugar.

- A “reforma de Josias”: Josias foi um bom rei, “fez o que era reto aos olhos do Senhor” (II Rs 22.2). No 18º ano de seu reinado, mandou reparar “as fendas da Casa de Deus”. Durante as obras, Hilquias, o sumo sacerdote, achou uma cópia do Livro da Lei no Templo (Jeremias já havia iniciado seu ministério há cinco anos. Não há registro da participação de Jeremias na reforma, talvez por sua pouca idade). Ao ouvir o conteúdo do Livro Josias rasgou suas vestes e mandou que o sacerdote e outros servos seus fossem consultar ao Senhor acerca das palavras do Livro. Eles foram à profetisa Hulda que assim profetizou:

“(...) Porquanto o teu coração se enterneceu, e te humilhaste perante o Senhor, quando ouviste o que falei contra este lugar e contra os seus moradores, que seriam para assolação e para maldição, e rasgaste as tuas vestes, e choraste perante mim, também eu te ouvi, diz o Senhor. Pelo que eis que eu te ajuntarei a teus pais, e tu serás ajuntado em paz à tua sepultura, e os teus olhos não verão todo o mal que hei de trazer sobre este lugar (...)” II Rs 22.19,20

Josias então dá início a uma reforma espiritual em Judá. Ele manda tirar todos as esculturas pagãs e seus utensílios do Templo, destitui todos os sacerdotes que foram instituídos pelos reis anteriores, desde Jeroboão (I Rs 12.31), para incensarem nos lugares altos (vide anexo 6, texto Lugares altos). Destituiu também os sacerdotes de Baal e destruiu os altares em que eram oferecidos sacrifícios aos deuses pagãos. Josias também fez com que o povo fizesse um concerto com o Senhor (II Rs 23.3). É interessante notar que foi justamente durante o reinado de Josias que a Assíria começou a se enfraquecer em meio às guerras já referidas anteriormente. Daí a liberdade que Josias teve para reestruturar o governo de Judá. Josias morreu em 608 a.C., na Batalha de Megido. Parece que o povo judeu estava apenas aguardando uma mudança na administração de Judá para voltar aos seus maus caminhos.

- Os filhos de Josias: Joacaz, escolhido pelo povo, sucedeu a seu pai no governo de Judá. “Fez o que era mal aos olhos do Senhor” (II Rs 23.32). Reinou por apenas três meses e foi aprisionado pelo Faraó-Neco. Em seu lugar Neco colocou Eliaquim/Jeoaquim, seu irmão. Jeoaquim reinou por onze anos. No quarto ano de seu reinado se deu a Batalha de Carquemis: Nabucodonosor conquistou para a Babilônia todas as terras que antes eram dominadas pela Assíria e pelo Egito. Jeoaquim quebra seu acordo com a Babilônia. Nabopolassar, pai de Nabucodonosor, adoece, obrigando o filho a ficar algum tempo na Babilônia. Entre 599-598 a.C., Nabucodonosor marcha contra Jerusalém. Jeoaquim morre durante o cerco babilônico. Seu filho, Joaquim, o sucede no reino. Durante o seu reinado Nabucodonosor cerca Jerusalém. Ele reina por apenas três meses e é levado cativo para a Babilônia com sua mãe, suas esposas, seus nobres e dez mil pessoas do povo (II Rs 24.6-16) cumprindo-se assim a profecia de Jeremias contra ele (Jr 22.24-30). Matanias/Zedequias, outro filho de Josias, reina por onze anos em lugar de Joaquim. Zedequias, diferentemente dos reis que o antecederam, tratou Jeremias com mais consideração e permaneceu leal à Babilônia por quase dez anos, ao final dos quais cedeu à pressão da “facção pró-Egito entre seus nobres”, recusando-se a colher impostos para a Babilônia. Nabucodonosor então volta a Jerusalém e a cidade é novamente cercada por 18 meses. Zedequias, ao tentar fugir, é capturado e levado cativo para a Babilônia juntamente com grande parte da população. Seus filhos foram degolados em sua presença, seus olhos foram vazados e ele foi amarrado com cadeias de bronze.

- Jerusalém foi tomada em 587-586 a.C.: o Templo, a casa do Rei e todas as casas da cidade foram queimadas e seus muros derrubados. O ouro, a prata e o cobre do Templo foram levados pelos babilônios. Todo o povo foi levado cativo, ficaram apenas os mais pobres para cuidarem das plantações. Judá se tornou uma província do Império Babilônico (vide mapa Impérios Babilônico, Persa e Grego). Gedalias, membro de uma família judaica de respeito, é instituído governador sobre Judá. Dois meses depois ele é assassinado e os remanescentes do povo fogem para o Egito com medo de possíveis represálias por parte de Nabucodonosor. Jeremias, que estava presente na queda de Jerusalém, foi forçado, juntamente com Baruque, a ir com o grupo para o Egito.


III - A POSTURA E A PREGAÇÃO DE JEREMIAS

“Antes que eu te formasse no ventre, eu te conheci; e, antes que saísses da madre, te santifiquei e às nações te dei por profeta.” (Jr 1.5)

- Vocação: na perspectiva teológica pode ser definido como “o chamado que Deus dirige ao homem a quem Ele escolheu para si e que destina a uma obra especial no Seu plano de salvação e no destino de Seu povo. Na origem da vocação há, portanto, uma eleição divina; no seu termo uma vontade divina a cumprir [...]” (DUFOUR apud CÉSAR, 2002, p.21). Percebe-se que há diferenças em relação ao conceito secular de vocação.

- Jeremias tentou se esquivar da missão a ele conferida. “Ah! Senhor JEOVÁ! Eis que não sei falar; porque sou uma criança [na’ar]” (Jr 1.6). O vocabulário hebraico na’ar tem ampla significação: ‘menino’, ‘adolescente’ ou ‘jovem’. Salomão também argumentou de forma semelhante (I Rs 3.7). Moisés também alegou incapacidade (Ex 4.10-14). O senhor encorajou a todos, assim como o fez com Josué (Js 1.6-8; Ex 4.11-12, 14-17; I Rs 3.11-14; Jr 1.7-10). Quem nos capacita é o Senhor que nos comissionou (II Co 3.4,5).

- O chamado de Jeremias: “Olha, ponho-te neste dia sobre as nações e sobre os reinos, para arrancares, e para derribares, e para destruíres, e para arruinares; e também para edificares e para plantares” (Jr 1.10). O profeta era um homem gentil e sensível chamado para uma missão devastadora. Somente o Senhor, por meio do Espírito Santo, nos capacita a cumprir as missões que Ele mesmo nos atribui (At 1.8)

- Jeremias não era populista. O mundo odeia aqueles que carregam a Palavra de Deus (Jo 17.14). Jeremias sentiu na pele o ódio e o rancor daquela geração corrupta, que não queria se converter dos seus maus caminhos. A voz do povo não era a voz de Deus. Assim como Jeremias, somo chamados a proclamar a Palavra de Deus, de forma íntegra: um Evangelho completo, incluindo a denúncia do pecado e o anúncio do juízo vindouro (I Pe 2.9; Mc 16.15,16).


CONCLUSÃO:
“Deveras o meu povo está louco, já não me conhece; são filhos néscios, e não inteligentes; são sábios para mal fazer, mas para bem fazer nada sabem.
Observei a terra, e eis que estava assolada e vazia; e os céus, e não tinham a sua luz.
Observei os montes, e eis que estavam tremendo; e todos os outeiros estremeciam.
Observei, e vi que homem nenhum havia; e que todas as aves do céu tinham fugido.
Vi também que a terra fértil era um deserto; e todas as suas cidades estavam derrubadas diante do SENHOR, diante do furor da sua ira.” (Jr 4.22-26)


Jeremias foi chamado em uma época de grandes mudanças no Oriente Médio. Trata-se de um período de grande convulsão política em que Judá seria castigada por várias nações. O chamado de Jeremias incluía denunciar o estado deplorável em que se encontrava o povo escolhido do Senhor, anunciando a destruição da terra como castigo pelas suas apostasias. Ao mesmo tempo em que anunciava o castigo divino, o profeta pregava a esperança de restauração depois do arrependimento. Essa mesma esperança nos foi oferecida na cruz do Calvário (Jr 31.28-34)

Jeremias descreve a visão de uma Judá assolada pelos babilônios, uma terra deserta, cujos montes e outeiros, antes representantes da firmeza da terra, agora tremiam, dado o abalo a que a terra fora submetida. Esta terra cujos habitantes eram tão numerosos quanto as estrelas do céu (Gn 15.5), agora estava desabitada, nem aves nos céus podiam ser vistas. Os judeus perderiam as bênçãos que lhes foram prometidas havia milhares de anos, por causa de sua desobediência, por não conhecer ao Senhor.

Nenhuma outra nação abandonava seus deuses, e nem eram deuses. Mas Israel abandonou o seu Deus, o Deus dos deuses, que é a sua Glória, para ir após deuses que nada podiam fazer, que não valiam nada. Israel deixou o Manancial de águas vivas para abrir “cisternas rotas”, obras de suas próprias mãos. A idolatria de Judá pode ser hoje encontrada na vida de pessoas que trocam a glória de servir a Deus por uma vida de satisfações pessoais. São pessoas que não servem ao Senhor do Exércitos, mas moldam com suas próprias mãos uma divindade adequada à suas vidas, suas rotinas, suas disponibilidades, seus desejos e projetos, assim como fez Jeroboão (I Rs 12.26-33). O Senhor não nos chamou para servirmos a nós mesmos, mas para que nos prostremos ante Sua majestade, oferecendo e depositando nossas vidas por completo em suas mãos.


BIBLIOGRAFIA

Bíblia de Estudo Plenitude, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001

BARBOSA, Francisco A., Artigo “Jeremias, o Profeta da Esperança”, disponível em
. Acesso em 30/03/2010

BARBOSA, Pb. José Roberto A., Artigo “Jeremias, o Profeta da Esperança”, disponível em . Acesso em 30/03/2010

GERMANO, Pr. Altair, Artigo “Jeremias, o Profeta da Esperança”, disponível em . Acesso em 29/03/2010

JESUS, Ev. Isaías de, Artigo “Introdução – Jeremias”, disponível em . Acesso em 29/03/2010

MACÊDO, Sulamita, Artigo “Jeremias, o Profeta da Esperança”, disponível em . Acesso em 30/03/2010
Por Lorena Brandizzi, 04/04/10

A Coreografia na Igreja



A coreografia no meio cristão deve ser entendida como uma forma de adorar a Deus, de alegrar-se diante de sua presença, de prostrar-se diante de sua grandeza e oferecer a Ele tudo o que temos e somos. No Antigo Testamento, a palavra hebraica traduzida como “adoração” é “shachah” e no Novo Testamento, o vocábulo grego com a mesma tradução é “proskuneo”. Tanto no grego quanto no hebraico, o significado expresso, segundo Mac Dominick, é “prostrar-se em humilde homenagem”. A coreografia tem sido intitulada como “dança profética” por muitas pessoas. A Palavra de Deus não apresenta embasamento para tal denominação. Segundo Teóphilo Noturno, “nas 22 vezes em que a dança é mencionada em toda a Bíblia, não há referência alguma a esta ‘modalidade’ de dança”. Quando Miriã, juntamente como outras mulheres adorou ao Senhor, ela fez uso da dança e da música para louvar a Deus por Seus feitos (Ex 15.20,21). Não está registrado que sua dança tenha sido uma forma de profecia, apenas lê-se que “Miriã, a profetisa... e todas as mulheres” dançaram em louvor a Deus. Deve-se tomar cuidado para que a Palavra de Deus não seja desvirtuada para sustentação de conceitos pessoais. A adoração por meio de coreografias pode ser um instrumento de proclamação do Evangelho desde que orientada e direcionada pelo Senhor.

Em primeiro lugar, deve-se compreender que a dança à qual a Bíblia faz referência não se compara ao que vemos nos dias atuais, em ambientes mundanos. Antes de passarmos a fazer uso deste termo, devemos deixar claro que se trata de uma atividade pura aos olhos do Senhor, desprovida de lascívia e exibicionismo. Uma atividade espontânea, que brota da alma do servo de Deus inclinado para tal modalidade de adoração. Nem todos se sentem e nem todos são aptos para participar de coreografias. Doravante, faremos uso da palavra dança dentro dos limites acima estabelecidos.

A dança é uma das formas de expressar gratidão a Deus, de louvá-lO, de adorá-lO. Quando compreendemos a adoração como uma forma de honrar a Deus humildemente, prostrando-se diante de Sua magnificência, entendemos que qualquer forma de adoração deve estar revestida de humildade, reverência e submissão. Nada que se faça com o objetivo de adorar a Deus deve ser feito para o homem, com vistas ao reconhecimento terreno ou à admiração de uma platéia. É claro que a coreografia, como já dissemos, pode ser um poderoso instrumento de divulgação do evangelho, basta citar aquelas apresentações em que determinadas situações da Bíblia ou do dia-a-dia são encenadas musicalmente por meio da dança. Mas isso só é possível quando há submissão ao direcionamento do Senhor e preparação para adorá-lo integralmente.


A BUSCA DE UM PROPÓSITO

O líder do grupo de coreografias de uma Igreja deve buscar sempre a orientação divina, sempre consagrando sua vida para que não surjam brechas. Ele deve saber o que dizer quando for inquirido a respeito daquilo que faz para o Senhor (Hb 2.1). Deve ter uma “visão” que responda às seguintes perguntas:

1) O que é dançar?

2) O que a dança representa na Igreja? X O que ela representa no mundo?

3) Qual o seu propósito ao dançar?

Uma definição básica e objetiva para o ato de dançar é mover-se, movimentar os membros, saltar, girar e até mesmo fazer uso de variadas expressões faciais (pantomima). A questão é: qual o objetivo de um grupo de dança dentro da Igreja? Já aprendemos que a coreografia é uma forma de adorar a Deus e que pode ser um instrumento de evangelização. Entretanto, cada Igreja tem suas características individuais, assim como cada equipe de dança. Por tal motivo faz-se necessário que o líder busque do Senhor uma visão com bases bíblicas, nada que se afaste da Palavra de Deus, por mais “bonito”, “nobre” ou eficaz que possa parecer. Buscar uma visão do Senhor é ansiar e procurar receber dEle um propósito, uma missão a seguir. Uma missão que deverá ser cumprida integralmente. Noé recebeu do Senhor uma missão. Deus lhe deu orientações específicas quanto ao que deveria executar e ele cumpriu cada uma delas (Gn 6.13-22). Um contra-exemplo é a figura de Saul: ele desobedeceu à ordem de Deus quanto a não poupar a vida de nenhum amalequita e nem de seus animais (I Sm 15.1-35). Ele manteve vivos o rei daquele povo e seu rebanho e ainda tentou revestir seu erro de boas intenções ao afirmar que os animais seriam sacrificados ao Senhor. O Senhor deseja que sejamos obedientes às suas orientações e não que procuremos justificativas para erros motivados por inclinações pessoais. Dessa forma, o líder deve buscar no Senhor as orientações para a criação e execução de coreografias e obedecer à risca as ordens divinas.


REFERÊNCIAS BÍBLICAS À DANÇA

Podemos encontrar diversas passagens da Bíblia em que se faz referência à dança, ora como forma de adoração, de regozijo, de celebração, entre outros. Abaixo estão transcritas algumas delas:

Dança como forma de expressar alegria:
“Ainda te edificarei, e serás edificada, ó virgem de Israel! Ainda serás adornada com os teus tamboris, e sairás nas danças dos que se alegram.” (Jr 31.4)

“Então a virgem se alegrará na dança, como também os jovens e os velhos juntamente; e tornarei o seu pranto em alegria, e os consolarei, e lhes darei alegria em lugar de tristeza.” (Jr 31.13)

“Cessou o gozo de nosso coração; converteu-se em lamentação a nossa dança.” (Lm 5.15)

“E o seu filho mais velho estava no campo; e quando veio, e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas; Mas era justo alegrarmo-nos e folgarmos, porque este teu irmão estava morto, e reviveu; e tinha-se perdido, e achou-se.” (Lc 15.25, 31-32)

OBS.: Aqui é Jesus quem faz referência às danças como uma forma de expressão da alegria do Pai pelo retorno do filho que se encontrava afastado de Sua comunhão. “Digo-vos que assim haverá alegria no céu por um pecador que se arrepende” (Lc 15.7).

Dança como recepção dos combatentes vitoriosos:

“Vindo, pois, Jefté a Mizpá, à sua casa, eis que a sua filha lhe saiu ao encontro com adufes e com danças; e era ela a única filha; não tinha ele outro filho nem filha.” (Jz 11.34)

“Sucedeu, porém, que, vindo eles, quando Davi voltava de ferir os filisteus, as mulheres de todas as cidades de Israel saíram ao encontro do rei Saul, cantando e dançando, com adufes, com alegria, e com instrumentos de música. E as mulheres dançando e cantando se respondiam umas às outras, dizendo: Saul feriu os seus milhares, porém, Davi os seus dez milhares.” (I Sm 18.6,7)

Dança como forma de expressar gratidão ao Senhor pela vitória:

“Então Miriã, a profetiza, a irmã de Arão, tomou o tamboril na sua mão, e todas as mulheres saíram atrás dela com tamboris e com danças. E Miriã lhes respondia: Cantai ao SENHOR, porque gloriosamente triunfou; e lançou no mar o cavalo com o seu cavaleiro.” (Ex 15.20,21)

Dança como forma de louvar ao Senhor:

“Louvem o seu nome com flautas (danças); cantem-lhe o seu louvor com tamborim e harpa.” (Sl 149.3)

Dança de Procissão, Escalada ou Entrada:

“E Davi saltava com todas as suas forças diante do SENHOR; e estava Davi cingido de um éfode de linho. Assim subindo, levavam Davi e todo o Israel a arca do SENHOR, com júbilo, e ao som das trombetas. E sucedeu que, entrando a arca do SENHOR na cidade de Davi, Mical, a filha de Saul, estava olhando pela janela; e, vendo ao rei Davi, que ia bailando e saltando diante do SENHOR, o desprezou no seu coração (...). E, voltando Davi para abençoar a sua casa, Mical, a filha de Saul, saiu a encontrar-se com Davi, e disse: Quão honrado foi o rei de Israel, descobrindo-se hoje aos olhos das servas de seus servos, como sem pejo se descobre qualquer dos vadios.” (II Sm 6.14-16, 20)

OBS.: “Tal alegria (lit. “rodopio”, “movimento giratório”) acompanhava todas as grandes vitórias. Em qualquer outra situação somente as mulheres são mencionadas como dançando, nunca os homens e certamente não o rei. Isso explica em parte o embaraço de Mical (v. 16), embora sua atitude seja evidentemente de desprezo.” (Comentário a II SM 6.14, Bíblia de Estudo Plenitude, Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001)

Vale ressaltar que Davi “saltava (...) diante do Senhor”, “ia bailando e saltando diante do Senhor”. Todos os seus movimentos estavam sendo ofertados ao Senhor. Devemos sempre avaliar se determinada coreografia é adequada para ser apresentada “diante do Senhor”. Devemos também sempre avaliar o estado do nosso coração quando ofertarmos algo ao Senhor (Mt 5.23-25). Faz-se necessário um arrependimento genuíno e uma entrega total para nossa adoração chegue ao Senhor. E há situações em que é preciso conversar com o pastor da Igreja para que ele avalie com base na Palavra de Deus se a pessoa está ou não em condições de participar de uma coreografia.

Costume da época:

“E disse o Senhor: A quem, pois, compararei os homens desta geração, e a quem são semelhantes? São semelhantes aos meninos que, assentados nas praças, clamam uns aos outros, e dizem: Tocamo-vos flauta, e não dançastes; cantamo-vos lamentações, e não chorastes.” (Lc 7.31,32)

OBS.: Aqui temos uma demonstração de que a dança fazia parte dos costumes daquele povo estando presente até nas brincadeiras infantis.

O perigo da falta de santificação
Deve-se ressaltar que a dança, na Antiguidade, assim como nos dias atuais, também era usada de forma inadequada. Um exemplo foi a dança da filha de Herodias diante de Herodes, uma dança que resultou na morte de João Batista.

“Entrou a filha da mesma Herodias, e dançou, e agradou a Herodes e aos que estavam com ele à mesa. Disse então o rei à menina: Pede-me o que quiseres, e eu to darei. E jurou-lhe, dizendo: Tudo o que me pedires te darei, até metade do meu reino. E, saindo ela, perguntou a sua mãe: Que pedirei? E ela disse: A cabeça de João o Batista. E, entrando logo, apressadamente, pediu ao rei, dizendo: Quero que imediatamente me dês num prato a cabeça de João o Batista.” (Mc 6.22-25)

Havia também danças pagãs como a da ocasião do bezerro de ouro

“E aconteceu que, chegando Moisés ao arraial, e vendo o bezerro e as danças, acendeu-se-lhe o furor, e arremessou as tábuas das suas mãos, e quebrou-as ao pé do monte.” (Ex 32.19)

Se determinada pessoa participa de uma coreografia mesmo estando em pecado, ela abre brechas para o inimigo agir, tanto em sua vida, como por meio de sua vida: primeiro porque correrá o risco de fazer movimentos inadequados, já que não está em comunhão com o Senhor e, segundo, porque a unidade do grupo estará quebrada.

Por tais motivos, o servo do Senhor deve buscar sempre a santificação, pois essa é a vontade de Deus para a vida daqueles que O servem (I Ts 4.3,7; I Pe 1.15,16). Aqueles que desejam adorar ao Senhor com coreografias devem ser zelosos na busca pela santificação, pois suas vidas estarão expostas diante dos olhos da Igreja, assim como já estão aos olhos do Pai. A seguir vemos cinco motivos para buscarmos a santificação (texto de Natália Xavier com adaptações):

“Por que se santificar?

1º Motivo: porque o próprio Deus é santo: “Porque eu sou o SENHOR vosso Deus; portanto vós vos santificareis, e sereis santos, porque eu sou santo” (Lv 11:44). E esta é a vontade de Deus para nossas vidas. Ele ainda quer um povo santo: “Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação; que vos abstenhais da prostituição; Que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra; Não na paixão da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus. Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos. Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação” (I Ts 4:3-7).

2º Motivo: para entrar na presença do Senhor e vê-lo face a face. Desde a criação, Deus quis um relacionamento especial com o homem, queria que fosse santo assim como Ele o é. Mas o homem pecou se afastando de Deus, que sempre procurou levá-lo a um reencontro com Ele. Agora, o homem só pode estar em sua presença, se estiver limpo do pecado, como está escrito: “Segui a paz com todos e a santificação, sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hebreus 12:14).

3º Motivo: para sermos vasos de honra perante o Senhor, restaurados e limpos: “De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra” (II Timóteo 2.21). E sermos usados como canais de bênçãos: “Disse Josué também ao povo: Santificai-vos hoje, porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós” (Js 3.5).

4º Motivo: para que o Senhor aceite nossa adoração como perfume suave. O pecado nos separa de Deus (Is 59:2), isso porque Deus possui um caráter santo e abomina o pecado. A dança, se manchada pelo pecado, e sem o devido arrependimento, torna-se algo desagradável ao Senhor, Ele a rejeita. Tudo não passará de uma dancinha, pois a benção vem somente quando o crente está ligado a Deus. Se estiver em pecado, está na carne: Deus não recebe e ninguém será abençoado: “retenhamos a graça, pela qual sirvamos a Deus agradavelmente, com reverência e piedade” (Hb 12:28b).

5º Motivo: para não envergonharmos o evangelho de Cristo. Devemos fazer a obra do Senhor com seriedade. Um exemplo bíblico, é Hofni e Finéias, que não se importavam com o Senhor (I Sm 2:12), desrespeitavam Sua oferta (I Sm 2:14, 17) e ainda viviam uma vida devassa. O sacerdote Eli encobriu os filhos ao não corrigi-los (I Sm 2:22). Toda sua família foi punida e seus filhos mortos (I Sm 2:30-34), por desrespeitarem a obra de Deus… Antes de Jesus, os sacerdotes tinham de se purificar por dias, para entrarem na Tenda. Amarravam uma corda na perna (caso acontecesse alguma tragédia, poderiam puxar o seu cadáver pela corda) e grudavam sininhos na roupa, para saberem que estavam bem… Usavam incenso para agradar ao Senhor com o aroma (...); e a fumaça servia pra encobrir a glória de Deus, pois homem nenhum era digno de vê-la. E tudo devia ser feito rápido… Hoje, pelo sangue de Jesus, podemos adentrar o véu, mas a seriedade é a mesma, pois Deus não muda.”




A santificação deve ocorrer em todas as áreas da nossa vida: espírito, alma e corpo (I Ts 5.23). Santificamos o espírito:

- não amando o mundo, nem o que nele há (I Jo 2.15);

- deixando todo engano e agindo com retidão (Sl 101.2);

- pensando nas coisas que são de cima (Cl 3.1-2);

- lendo e meditando na Palavra de Deus (Sl 119.15)

Santificamos a alma:

- mantendo a mente, os pensamentos, os sentimentos e as emoções sob controle (Hb 12.15; I Pe 1.22);

- com mudança de valores;

- aderindo ao Fruto do Espírito (Gl 5.22);

Santificamos o corpo:

- não sujeitando-nos à carne (I Co 9.27);

- guardando-nos da imoralidade (I Ts 4.3-4; I Co 6.13, 19-20);

- usando adequadamente os membros do corpo;

- não exibir-se com roupas insinuantes ou transformar seu corpo em um atrativo;

- cuidando da forma como se fala e se veste (Ef 4.25,29).



VESTES

Quanto às vestes a serem utilizadas durante as apresentações de coreografias, segue-se abaixo o texto de Gisela Matos (Dança pelas Nações) quanto às vestes ministeriais (texto com adaptações):



“Vestes MinisteriaisParte inferior do formulário



“Segundo tudo o que Eu te mostrar para o modelo do tabernáculo e para modelo de todos os seus móveis assim mesmo o fareis” (Êxodo 25.9).

1. Puras. “Em todo o tempo sejam alvas as tuas roupas, e nunca falte o óleo sobre a tua cabeça.” (Ec 9.8)

Suas vestes devem ser alvas, ou seja, puras. A roupa de um ministro não pode ser sensual, principalmente a das irmãs; cuidado com os decotes, transparências, marcas (roupas justas, além de marcarem o corpo, impedem os movimentos). Façam roupas decentes, mas não só na hora de ministrar, suas vestes devem ser puras principalmente quando você não está ministrando. As pessoas observam seu testemunho e Deus se entristece quando você age de uma forma na igreja e de outra fora da igreja, como se Deus não estivesse vendo você em todos os momentos e isso é um erro grave nas equipes, um erro que precisamos concertar.

2. Essas vestes não são suas, são de Deus e para Deus. “Vestirá ele a túnica santa de linho, e terá ceroulas de linho sobre a sua carne, e cingir-se-á com um cinto de linho, e se cobrirá com uma mitra de linho; estas são vestes santas; por isso banhará a sua carne na água, e as vestirá.” (Lv. 16.4)

Podemos observar nesse texto que a veste do sacerdote era algo sagrado mesmo, usada em momentos específicos. No caso citado acima, era uma ocasião extremamente importante, o Dia da Expiação, o dia mais santo no calendário do Antigo Testamento. O Dia da expiação começava com o sacerdote se banhando e se vestindo. Sabe, quando você entender que tudo o que você tem é de Deus, e você é apenas um mordomo, você não terá nenhum problema em semear, em seguir as direções que Deus vai te dar. Muitas pessoas pagam por suas roupas nos ministérios e depois se acham donas delas. “Eu ofertei, eu controlo!” Ungem a roupa, consagram a Deus, mas percebo que em alguns é tudo da boca para fora, no momento em que o líder tem uma direção para que outro da mesma equipe use a roupa, ou até mesmo de outra equipe, a pessoa logo se manifesta dizendo: “Eu que paguei essa roupa, ninguém toca”.

Em nosso ministério, e na maioria dos ministérios das igrejas, as próprias pessoas confeccionam suas roupas, e sei que não é fácil nem barato, mas sempre, desde o começo aprendemos o princípio de ofertar, de entender que essa veste, acima de tudo, é para adorar ao Senhor! Não para que as pessoas vejam algo em nós, mas que a presença de Deus seja manifesta!

3. Deus quer te vestir com vestes de louvor. “Tornaste o meu pranto em folguedo; desataste o meu pano de saco, e me cingiste de alegria.” (Sl 30.11)

Deus quer vestir o nosso coração com vestes de louvor. Por mais bonitas que sejam as suas vestes, se o seu coração estiver triste, com rancor, amargura, a adoração não vai fluir; as vestes só complementam aquilo que está fluindo de dentro de você e uma roupa bonita não vai conseguir esconder as suas iniqüidades.

E quando nós recebemos de Deus as vestes de louvor, mesmo quando estamos passando por alguma situação difícil, podemos dançar em Sua presença, pois confiamos que Deus é quem nos dá a vitória.

4. As vestes falam de nossa identidade ministerial: “Depois tomarás as vestes, e vestirás a Arão da túnica e do manto do éfode, e do éfode, e do peitoral; e o cingirás com o cinto de obra de artífice do éfode.” (Êx 29.5)

Outro ponto importante que as pessoas sempre nos perguntam é: “Como é o processo de confecção das vestes, a criação, quem desenha, quem borda…?” Bem não há segredo, nem uma fórmula, o que sempre falo é que você deve abrir seu coração, peça a Deus e com certeza Ele vai te mostrar vestes maravilhosas também.

Muitas pessoas falam comigo, que querem, mas na verdade muitas vezes sinto que as pessoas querem algo pronto, não querem pagar um preço e preferem realmente ficar pesquisando o que as outras pessoas estão fazendo, modificam um pouco, e já ficam satisfeitas. Lógico que podemos, sim, aproveitar uma idéia, mas sempre buscando em Deus o que Ele deseja para nós (...).

5. E a questão financeira, como fica? Gostaria que em primeiro lugar você avaliasse como estão sendo as suas ofertas, você quer o melhor, então dê o seu melhor. Queremos que as pessoas sejam tocadas para ofertarem, mas muitas vezes nós mesmos não ofertamos. “Se você não acredita no que faz, e não investe nisso, como você quer que os outros acreditem e invistam?”.

Outro ponto importante é não ofertar nada se você quer ter o controle sobre o que ofertou. “Bem, eu ofertei, então deve ser feito da forma como eu quero...”. Não faça isso. Precisamos entender que é um privilégio ofertar na casa de Deus, não um peso. Não faça por obrigação e sim por amor.

Eu me lembro de quando eu estava no congresso “Nas Alturas”. Deus me direcionou a usar uma roupa como de princesa, e eu na época não tinha roupas assim, então procurei uma pessoa que havia conhecido pelo telefone uma semana antes. Ela ainda não me conhecia pessoalmente, mas quando eu expliquei, ela me disse que Deus testificou em seu coração, então ela e a outra líder de sua equipe me levaram para a casa dela, abriram o guarda-roupa onde estavam os seus vestidos e me disseram: “Escolha o que você quiser!” Eu fiquei assustada, porque um vestido era mais bonito que o outro, mas o que realmente me impressionou é que elas me ofereceram o que tinham de melhor, e ainda me maquiaram, me pentearam, colocaram em minha cabeça uma tiara linda. Depois eu descobri que elas nunca haviam emprestado nenhuma veste para ninguém e só me emprestaram porque Deus realmente testificou em seus corações. Depois disso nos tornamos grandes amigas. Tenho muito a agradecer, pois Deus as usou para me ensinar muitas coisas, ministraram sobre minha vida que Deus iria abrir as portas, e profetizaram outras coisas que realmente aconteceram. Levaram-me em seus ensaios, e deram para mim o que elas tinham de melhor e eu agradeço a Deus o dia em que Ele as colocou em meu caminho. Eu vejo como Deus honra o trabalho delas, como supre todas as suas necessidades. Que tal fazer isso em sua equipe, marque um dia, para que todos tragam algo para semear uns nas vidas dos outros, e você verá como Deus vai tratar com cada um deles (...).”

CONCLUSÃO:
Diante de tudo o que aqui foi exposto conclui-se que o uso de coreografias no seio da Igreja deve ser uma prática espontânea e esporádica. Não se deve esperar que todas as pessoas se expressem da mesma forma diante do Senhor. O exemplo de Mical nos mostra o quanto é perigoso condenar a forma como as pessoas adoram a Deus só pelo fato de que não o fazemos da mesma forma. É claro que devemos ter discernimento espiritual e conhecimento para evitar atitudes e posturas contrárias à Palavra de Deus.

Conclui-se também que a equipe responsável pela preparação e apresentação de coreografias na Igreja deve buscar sempre a santificação para que suas vidas e seu trabalho sejam instrumentos poderosos na mão do Senhor, aptos “para toda a boa obra” (II Tm 2.21).

Resenha "Teoria Lexical" (de Margarida Basílio)

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OBRA: BASÍLIO, Margarida. Teoria Lexical. 8. ed. São Paulo: Ática, 2007. 104 p.

Margarida Basílio aborda a formação de palavras a partir de uma posição questionadora. Seus principais questionamentos repousam sobre a motivação que o falante tem para formar novas palavras e sobre a aceitação de determinadas combinações em detrimento de outras. Para a autora a formação de novas palavras a partir da combinação de morfemas já existentes justifica-se pelo princípio da economia linguística, pois a criação de um novo lexema para cada novo conceito que se desejasse expressar acabaria por sobrecarregar a memória do falante. Novas unidades são assim formadas, por derivação ou por composição, por exemplo, quando se quer utilizar o significado de uma determinada palavra em uma outra classe gramatical ou quando há a necessidade de alteração semântica sem mudança de classe, como é o caso dos diminutivos.

Antes de seguir em sua investigação, Basílio busca conceituar o termo “palavra”. Para ela, trata-se de uma “unidade linguística básica, facilmente reconhecida por falantes em sua língua nativa”, sendo que o que define se duas palavras são ou não dois lexemas distintos é a natureza flexional ou derivacional do processo de formação que deu origem à palavra. Para que fique clara a diferença entre os dois processos de formação faz-se necessário, em um primeiro momento, que se compreenda a palavra como uma estrutura complexa, constituída por mais de um elemento, excetuando-se os casos de unidades monomorfêmicas como mar ou boi, por exemplo. A autora apresenta como formativos mínimos, ou morfemas, o afixo e a raiz. O afixo, quando posicionado antes da base, denomina-se prefixo e, quando acrescentado após a base, sufixo. Entretanto, a palavra não deve ser considerada como uma sequência de morfemas, pois há vários níveis ou camadas na estrutura da palavra. Tais níveis podem ser elucidados por meio da análise em constituintes imediatos, como ensina Valter Kehdi[1] (2007, p.11-12). Basílio ainda lembra que palavras podem ser formadas por duas bases, sem a inclusão de afixos.

O fenômeno da formação de palavras tem sido abordado de diferentes maneiras. A gramática normativa, a partir de uma interpretação passiva do termo “formação”, volta-se apenas para a análise de formas já estabelecidas na língua, mesclando critérios descritivos e prescritivos, sincrônicos e diacrônicos. A autora deixa bem claro que uma análise descritiva dos processos de formação de palavras da língua em uso deve levar em conta a distinção entre diacronia e sincronia, principalmente no que tange à análise de novas formas. A abordagem estruturalista americana, que compreende o morfema como a unidade significativa mínima da língua, preocupa-se com o estudo da estrutura de palavras já formadas, das combinações dos morfemas depreendidos. O problema é que nem sempre o significado de um morfema pode ser isolado do significado global da palavra. A teoria gerativa transformacional, por sua vez, busca analisar justamente a capacidade que o falante tem de formar novas palavras, ou seja, sua competência linguística, as regras acionadas quando há a necessidade comunicativa de formar um novo elemento. Além da necessidade de distinção entre abordagem sincrônica e diacrônica, da análise tanto de formas já existentes quanto de padrões que possibilitam a formação de novos vocábulos, a autora ensina que uma abordagem descritiva do fenômeno de formação de palavras deve descrever também as motivações gramaticais, semânticas ou funcionais de tal fenômeno.

O fato de o léxico apresentar diversas situações de não-previsibilidade de conexão entre forma e significado nas construções lexicais tem levado à criação de várias propostas de separação entre itens lexicais como elementos relevantes para a sintaxe e como elementos de significação extralinguística. Entretanto, para a autora o léxico não é totalmente irregular. Para ela, há palavras regulares, cujo processo de formação coincide como o significado final da palavra derivada, como, por exemplo, vencedor (‘aquele que venceu ou vence’); palavras sub-regulares, como passadeira (‘mulher cuja profissão é a de passar a ferro’ ou ‘tapete comprido que se coloca em locais de passagem’); e palavras totalmente irregulares como impressão (‘noção vaga’). Esse último exemplo utilizado pela autora não parece perfeitamente pertinente, pois, como no segundo exemplo, há uma certa regularidade: impressão também é utilizada fazendo-se referência à base verbal imprimir.

Tais variações quanto à regularidade resultam de quatro fatores: primeiro, há itens lexicais cuja significação evolui globalmente sem que se altere sua constituição morfológica; segundo, situações naturais de metáfora e extensão de sentido acabam sendo disseminadas para outros contextos além dos originais; terceiro, há funções que não são percebidas em certos processos de formação; e quarto, há vários processos que podem afetar uma construção. Sendo assim, para que seja possível um estudo detalhado das particularidades dos processos de formação de palavras deve-se estabelecer uma distinção entre formas já feitas e processos de formação, pois a língua é constituída de elementos que “aconteceram”, mas que, teoricamente, não podem mais acontecer. Eventuais irregularidades quanto à conexão entre o significado de uma palavra e suas partes constitutivas não impossibilitam o estabelecimento de generalizações sobre os processos de formação de palavras e suas funções.

Os principais processos de formação de palavras são a derivação e a composição. A derivação consiste na adição de um afixo a uma base, que pode ser uma forma livre, como em artista (arte+ -ista), ou uma forma presa, como em psicológico (psicolog- + - ico). A composição caracteriza-se pelo acréscimo de uma base à outra. Para a autora, por derivação são formadas palavras cujas propriedades sintáticas ou semânticas se mostram fixas, predeterminadas e generalizantes, enquanto a composição pressupõe a formação de palavras de significação mais particularizante. As afirmações de Basílio se aproximam da opinião de Sandmann, citada por Henriques[2] (2007, p. 133), para quem os afixos parecem constituir um elenco fechado, de caráter fixo e que, no entanto, apresentariam produtividade ilimitada. Quanto à composição, o referido autor argumenta que as bases utilizadas em tal processo expressam significados particulares, sendo por isso, de menor produtividade. Sandmann incorre no equívoco de afirmar algo que só parece pertinente na teoria, pois há diversas restrições aos processos de derivação que o afastam daquela ilimitada produtividade, assim como os processos de composição, apesar de também serem limitados por regras de formação, têm se mostrado inseridos em uma relação cada vez mais aberta. Basílio se mostra mais cuidadosa ao tratar do tema e demonstra que há diferentes níveis de produtividade.

Para Basílio, quanto maior o teor de generalidade veiculado por um afixo, maior sua produtividade. Dessa forma, processos derivacionais que expressam a negação e o grau, por exemplo, são altamente produtivos, dada a generalidade de tais noções. Por outro lado, quanto mais particular for a função do afixo, mais restrito será seu teor de produtividade. Quanto à composição Basílio afirma que não há funções predeterminadas: cada elemento terá uma função definida pela estrutura do composto. Dessa forma, em compostos do tipo substantivo+substantivo, o primeiro elemento será o núcleo e o segundo, o modificador. Quando se trata de substantivo+adjetivo, o substantivo é o núcleo e o adjetivo o modificador, em qualquer ordem. Quanto a compostos do tipo verbo+substantivo, o substantivo funcionará como objeto do verbo. Assim como Sandmann, Basílio também afirma que por composição se expressam significados particulares, que frequentemente não têm relação direta como o significado individual dos componentes. Tal fato se justifica pela função de nomeação de tal processo, que pode ser descritiva, quando faz referência a características objetivas relevantes daquilo que se denomina, ou metafórica, quando a caracterização se dá em termos associativos, não sendo possível inferir o significado a partir da simples observação das formas. Quanto à nomeação descritiva, a autora afirma que é mais frequente que a forma composta apresente características gerais do objeto, possibilitando que o falante identifique a palavra com o objeto designado, como é o caso de navio-escola, por exemplo: é clara a noção de que se trata de um navio. Mas em palavras como mata-mosquito não está evidente se designa uma pessoa ou um objeto. Neste ponto a autora afirma que a escolha de uma construção para nomear determinado objeto exclui a possibilidade de que tal palavra seja usada para designar outro objeto. Tal afirmação não se mostra coerente, pois na prática o que se observa é justamente o oposto. O próprio exemplo utilizado pela autora comprova tal fato: a palavra composta mata-mosquito designa tanto uma espátula para atingir moscas, quanto o líquido que se borrifa para matá-las, assim como também pode designar o profissional responsável pelo extermínio de tais insetos, sendo que essa última possibilidade não é utilizada no registro brasiliense.

Basílio identifica três evidências de regularidade nos compostos formados por verbos e substantivos. A primeira refere-se ao fato de que tais compostos sempre fazem referência a agentes ou instrumentos. A segunda diz respeito a estruturas formadas por verbos específicos como guarda- e porta-, tais estruturas são parcialmente fixas e assemelham-se a formações derivacionais. A terceira evidência faz referência a compostos do tipo verbo+verbo, em que há a repetição do verbo. São casos claros de reduplicação. A autora ainda faz referência à formação de palavras a partir de composição em bases presas. Tal processo se mostra bastante produtivo na linguagem científica e tecnológica e se difere da composição em bases livres pelo fato ser o segundo termo o núcleo e o primeiro o especificador, como em sociolinguística, e ainda por não exercer a função de denominação metafórica.

Além da derivação e da composição, Basílio ainda cita outros processos de formação de palavras, se atendo à derivação regressiva e à parassíntese. Quanto à primeira, a autora deixa claro que não se trata de remoção de afixos, de abreviação ou de redução. Trata-se de um processo em que há a retirada de uma sequência fônica que foi “reinterpretada” como afixo, como em sarampão cuja supressão da sequência fônica -ão, reinterpretada como sufixo aumentativo, deu origem à palavra sarampo. Henriques (2007, p. 125) não concorda com essa posição, pois para ele o caso de sarampo só tem pertinência diacrônica. Sua discordância é coerente, pois sincronicamente o falante não tem consciência de que -ão não é um sufixo aumentativo.

Sob esse ponto de vista a derivação regressiva deverbal não deveria ser interpretada como tal, pois o que é suprimido do verbo para a formação do substantivo seria justamente o sufixo flexional. Basílio sugere duas interpretações para esse fenômeno. Primeiro, pode-se considerar como base o tema verbal (Rad+VT), acrescentando-se sufixos como -e, -o ou -a, para a formação do substantivo. A segunda possibilidade seria considerar a terminação -ar como sufixo derivacional, ao radical que o precede seria acrescentada a vogal temática, dando-se origem ao substantivo deverbal. Basílio ainda ensina que só se trata de formação deverbal quando esta tiver um sentido mais abstrato e quando puder ser usada com sentido verbal, pois uma de suas principais funções é expressar o significado do verbo dentro de uma estrutura nominal, como o que torna possível a utilização de seu significado nas diversas funções sintáticas que o substantivo pode exercer na oração. Kehdi (2007, p. 23), citando Mário Barreto, ensina que para se constatar se um substantivo deriva do verbo, deve-se verificar se o substantivo denota ação. Se de outra forma, o substantivo designa algum objeto concreto ou substância, o verbo será derivado do substantivo.

Quanto à derivação parassintética ou circunfixal, Basílio ensina que o que a caracteriza é a adição simultânea de prefixo e sufixo a uma base. A retirada de um ou outro afixo dá origem a uma palavra que não existe na língua. Ela lembra que o acréscimo dos afixos não se dá em dois níveis, como no caso de descentralizar, formada a partir do acréscimo do prefixo des- à base centralizar, que, por sua vez, foi formada pelo acréscimo do sufixo -izar à base central, e assim por diante. A autora, entretanto, afirma que mesmo quando a supressão de um afixo dá origem a uma palavra existente na língua, deve-se verificar se o significado da base resultante acrescida do afixo corresponde ao significado da construção global. Como exemplo ela cita as palavras desdentar e desdentado. Não se pode afirmar que desdentado seja ‘alguém paciente do ato de desdentar’. A autora explica que tais situações são recorrentes em caso de formações parassintéticas como o sufixo -ado.

Uma das motivações para a formação de palavras é a mudança de classe, como ensina Basílio nos primeiros capítulos do livro. A nova palavra formada, apesar de pertencer a uma outra classe, pode apresentar o mesmo significado da palavra de que se originou, como no caso de substantivos formados a partir de verbos como acréscimo do sufixo -mento (acontecer, acontecimento). Pode também acontecer que a palavra formada apresente significação diversa daquela de que se originou, como em substantivos formados com o acréscimo do sufixo -dor à base verbal (vender, vendedor).

Para que o fenômeno da formação de palavras possa ser descrito com coerência faz-se necessária a definição objetiva das classes de palavras. Tal definição tem sido feita com base em critérios semânticos, morfológicos e/ou sintáticos, conforme a natureza da abordagem que se faz. A autora explica que na maioria das vezes nenhum dos critérios é isoladamente suficiente para que se defina se determinada palavra é um substantivo, um adjetivo, um advérbio ou um verbo. Entretanto ela constata que as propriedades semânticas de uma palavra têm uma relação estrita com suas propriedades sintáticas e morfológicas e, a partir desta constatação, a autora defende que a primeira decisão que um estudioso deve tomar, quando se predispõe a descrever processos de formação, é se a definição de classes de palavras deve ser feita levando-se em conta os três critérios a um só tempo ou se será estabelecida uma hierarquia entre eles, de forma que algumas propriedades passem a ser derivadas de outras.

A autora ainda cita o processo de derivação imprópria, ou conversão, que consiste na transposição de uma palavra de uma classe para outra, sem que seja alterada a sua forma. Os casos mais comuns são os de conversão de adjetivo em substantivo, verbo em substantivo e adjetivo em advérbio. Quanto aos primeiros, sua naturalidade repousa na compatibilidade das funções de caracterização e designação do adjetivo e do substantivo. Quanto à conversão de adjetivos em advérbios, percebe-se que há identidade de funções. Basílio ressalta que enquanto substantivos derivados de adjetivos fazem referência a qualidades e propriedades (pobre, pobreza), substantivos gerados por conversão referem-se aos seres que têm tais propriedades (o pobre).

Para Basílio, os processos de formação de palavras podem ter três funções fundamentais: a denotativa, relativa à representação de conceitos novos; a gramatical, de adequação das palavras a diferentes estruturas sintáticas; e funções de caráter discursivo, que dizem respeito à adequação das palavras à forma e aos objetivos do enunciado. Como exemplo de processos de formação com função semântica a autora apresenta a prefixação que, na maioria dos casos, não pressupõe mudança de classe, e a composição, tanto quando o composto apresenta a mesma classe da base (couve-flor), como quando há mudança de classe (guarda-roupa). No caso de formação de verbos a partir de adjetivos percebe-se também a presença da função semântica, assim como na formação de nomes de agentes e instrumentos a partir da adição do sufixo -dor à base verbal. Em todos esses casos, quando há mudança de classe esta é consequência da função semântica.

Os processos de formação de palavras que objetivam adequar palavras já existentes a novas posições e funções sintáticas têm função gramatical. Basílio ressalta que tal função não ocorre isoladamente, sempre há um fator semântico. Entretanto, ela cita a formação de advérbios pelo acréscimo do sufixo -mente a adjetivos como um exemplo de processo cuja função é quase puramente sintática. Ela ainda cita a nominalização como exemplo de processo em que se dá adequação sintática de um verbo a estruturas nominais.

Quanto à última função, a discursiva, Basílio afirma que se divide em dois tipos: a expressiva e a textual. Quando há função expressiva, o falante expressa atitude subjetiva em relação ao enunciado. Tem-se como exemplo a atribuição de grau. Há função textual quando o que se pretende é a adequação de itens ou classes lexicais ao tipo e à estrutura do enunciado. Um exemplo claro é a formação de substantivos deverbais que além de possibilitarem uma interpretação factiva, ainda podem apresentar uma função neutralizadora, no sentido de não fazerem referência a noções de tempo e modo. A produtividade da nominalização deve-se às várias possibilidades que surgem a partir do seu uso na estrutura textual: ela permite a compactação da informação e também possui função anafórica, além de caracterizar o tipo do discurso, particularmente o discurso formal escrito.

Basílio ressalta que a tendência geral dos processos de formação é que estes apresentem uma função semântica ou então uma função mista, como é o caso da nominalização que além de apresentar aspectos sintáticos e exercer funções textuais, exerce também a função semântica, que deriva da função denominadora típica do substantivo. Dessa forma percebe-se que os processos de formação de palavras têm relação também com a estruturação gramatical, textual e expressiva do enunciado.

A autora encerra o livro trazendo um breve comentário a respeito das diferenças entre língua escrita e língua falada e das circunstâncias em que se dá a formação de novas palavras em cada um desses contextos. Segundo Basílio a língua escrita, cujo objetivo maior seria o de superar os limites do tempo e do espaço, caracteriza-se por primar pela objetividade e pela formalidade enquanto a língua falada se caracteriza pela função expressiva, ou seja, está mais aberta para todo processo que expresse afetividade ou emoção. Essas diferenças se refletem no léxico característico de cada um desses registros. Basílio cita como exemplo de realização morfológica de função expressiva o caso da formação de diminutivos, aumentativos e superlativos que, segundo ela, sempre revelam uma atitude subjetiva e avaliativa do falante. Quando o falante opta por referir-se à dimensão de um objeto fazendo uso do diminutivo ou aumentativo ao invés de utilizar adjetivos como grande ou pequeno, ele expressa uma atitude emocional assim como quando utiliza o superlativo sintético ou sufixal (inteligentíssimo) em detrimento do superlativo analítico (muito inteligente).

Basílio ainda apresenta alguns sufixos que expressam atitude subjetiva: o sufixo -udo, por exemplo, qualifica seres por terem alguma parte do corpo maior do que o normal (narigudo), e o sufixo -ão, que pode expressar pejoratividade em palavras como resmungão e fujão, por exemplo. Para a autora, é mais comum a expressão de pejoratividade do que de noções positivas, por meio de marcas morfológicas. Ela apresenta vários exemplos que parecem confirmar sua posição: são sufixos como -ice (criancice), -agem (malandragem), -ção (falação), -ento (grudento), -eiro (rueiro). Além destes, a autora ainda cita o prefixo sub-, em palavras como submundo.

Basílio afirma que o prefixo super-, por sua vez, só ocorre junto a bases que expressem valor positivo, como superinteligente. Tal afirmação não parece coincidir com dados da língua falada em que enunciados como “Ele é super-intransigente” ou “É algo superdesagradável” parecem comuns, como nos exemplos a seguir retirados da internet: “Realmente é uma situação super desagradável ouvir relatos de sofrimento de outros.”[3], “Ele é super-intransigente, jamais poderia assumir a liderança da empresa.”[4]. Percebe-se que o referido prefixo tem adquirido status de adjetivo, tanto que é frequente a sua utilização como forma livre. Basílio lembra que todos esses exemplos de realização morfológica do grau ou expressões de pejoratividade por meio de sufixos são típicos da língua falada, não sendo aceitos na língua escrita, dada a sua exigência de neutralidade.

Ainda quanto às peculiaridades da língua falada e da língua escrita, Basílio afirma que, por ser um ambiente mais propício para “experimentações”, a formação de novas palavras é mais frequente na língua escrita. A autora acredita que o ato da fala exige rapidez e por isso, o falante não teria na língua oral um espaço para criações. Nesse ponto Basílio acaba por apresentar uma informação que de certa forma contradiz com conceitos apresentados anteriormente, pois, se a escrita se caracteriza por objetividade, formalidade e neutralidade, não pode constituir um espaço adequado para inovações. O contrário se observa na fala, ambiente em que o falante tem mais oportunidade de esclarecer um conceito que não se mostre claro o bastante para o interlocutor, como seria o caso de uma palavra criada no momento. Entretanto a autora justifica sua argumentação explicando que a língua escrita pressiona o indivíduo a adequar estruturas já existentes a novos estruturas gramaticais, o que o obriga a acionar processos de formação de palavras. Para ela, o falante não aciona com tanta frequência tais processos na língua oral, optando por utilizar formas já existentes, mesmo que incorra em “erros” gramaticais, no sentido da gramática tradicional.

Teoria Lexical é um livro bastante abrangente, mas que pela extensão reduzida trata apenas superficialmente de alguns temas que exigem uma investigação mais cuidadosa, como, por exemplo, a questão da independência de alguns prefixos, das diferenças entre estes e os sufixos no que tange a fatores semânticos e a questão da derivação regressiva deverbal, da parassíntese e da conversão, que suscitam questionamentos de ordem terminológica. Talvez o fato da autora apenas iniciar tais questionamentos, crie no leitor um ímpeto de investigação que pode levá-lo a pesquisar sobre o assunto. Basílio também optou por não problematizar a definição de palavra e de morfema. Entretanto, o livro é bastante pertinente para leitores que desejam iniciar seus estudos em morfologia, pois a autora, além de não fazer uso de termos técnicos sem o devido esclarecimento, apresenta uma visão bem ampla dos processos de formação de palavras.

Por Lorena Brandizzi


Novembro de 2009
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[1] KEHDI, V., Formação de Palavras em Português. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2007.

[2] HENRIQUES, C.C., Morfologia. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

[3](http://especiais.profissaoreporter.globo.com/programa/2009/09/24/sai-volto-ja/, acesso em 16/11/2009)

[4](http://www.dicionarioinformal.com.br/ buscar.php?palavra= intransigente, acesso em 16/11/2009)

Resenha "Redação na Escola" (Eglê Pontes Franchi)

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FRANCHI, Eglê Pontes, A Redação na escola: e as crianças eram difíceis. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 243 p. il.

Redação na Escola foi originalmente escrito sob a forma de dissertação de Mestrado na área de Metodologia do Ensino. O trabalho de pesquisa e prática da professora Eglê Franchi foi desenvolvido na E.E.P.G. Agrícola Dr. Antônio Carlos de Couto Barros, na Vila Santana, no distrito de Sousas, a 9km de Campinas, São Paulo. As crianças que frequentavam a escola eram, em sua maioria, moradoras do Conjunto Habitacional de Vila Santana, pertencentes ao estrato inferior no que diz respeito à situação econômica das famílias. Eglê Franchi, durante quatro meses, dispôs-se a documentar e avaliar seu dia-a-dia de trabalho à frente de uma turma da terceira série do primeiro grau, composta inicialmente por vinte alunos, dos quais três foram transferidos para outras escolas. Um desses dezessete alunos, segundo Eglê, não obteve sucesso algum durante os quatro meses de trabalho. Tal aluno, apesar de capaz de ler e interagir socialmente, não conseguia escrever. A professora evitou definir o seu caso como patológico e afirmou que a ausência de um psicólogo na escola e de um programa de assistência a crianças com dificuldades de aprendizagem tornou ainda mais difícil o seu trabalho junto àquela criança. Dos dezesseis alunos restantes, a autora afirmou que onze já haviam sido reprovados anteriormente. Essa turma que lhe foi designada continha aqueles alunos rejeitados pelos professores (seis educadores já haviam passado por essa classe) como incapazes, alunos-problema, burros ou mesmo como deficientes mentais. Toda essa estigmatização deu origem a um grupo de alunos que se desvalorizavam, que aceitavam para si aquela imagem de fracos e indisciplinados. Esse sentimento de autodesvalorização, segundo a autora, estava na base do comportamento agressivo que eles demonstravam constantemente.

Na Introdução ao seu livro, Eglê discorre a respeito das conseqüências desastrosas dessa atitude segregacional do sistema educacional que, oferecendo à criança socialmente desvalorizada um conhecimento totalmente desconectado de sua realidade, estigmatizando suas origens e sua língua, pressionando-a constantemente por meio de notas, acaba por negar-lhe o acesso ao saber, o saber que poderia libertá-la da opressão do sistema capitalista, dando-lhe condições de ascensão social e humana.

No primeiro capítulo do livro a autora apresenta sua proposta: empreender um trabalho de reflexão teórica e metodológica que não se afastasse da situação real de sala de aula, com o objetivo de analisar os problemas causados pela imposição da norma culta às crianças em início de escolarização e como essa imposição afeta a criatividade dessas crianças. A autora descreve seu primeiro contato com aquela turma como desagradável, pois a uma tentativa de apresentação se seguiu uma discussão repleta de xingamentos. Entretanto, a professora optou por não repreendê-los, mas aproveitou a situação para explorar-lhes a rivalidade, tirando daí uma primeira lição: a de que sua intervenção em momentos de crise deveria sempre buscar alterar e reorientar o processo, de forma positiva e ativa, e não por meio da repreensão, sempre negativa.

As atividades propostas por Eglê tinham sempre alguma conexão com a realidade das crianças e sempre provinham de uma sondagem de interesses. De um questionário sobre suas expectativas a respeito da escrita surgiu a primeira proposta de trabalho: a redação de estorinhas. Antes de solicitar-lhes a execução desse trabalho, a professora realizou uma atividade improvisada com gestos e mímicas, o que, dada a ludicidade e espontaneidade da atividade, lhe proporcionou o ambiente adequado para uma interação mais ativa com e entre os alunos. Foi assim que lhes propôs que redigissem uma estorinha.

As redações produzidas nesse primeiro momento eram curtas e pouco criativas, apesar de possuírem uma certa coesão interna. Os textos eram fragmentos de estorinhas ouvidas ou lidas nos livros didáticos e revelavam a tentativa das crianças de seguirem um modelo e uma linguagem estereotipados. Eglê levantou duas hipóteses para esse comportamento: seria resultado do hábito que os adultos têm de falar criança como se essa fosse incapaz de compreender algo mais complexo, ou então, tal comportamento teria origem em estereótipos veiculados pelos próprios livros didáticos. A autora acredita que ambas as hipóteses estão corretas.

Os textos produzidos se pareciam com blocos de orações justapostas. Eglê apresenta os problemas mais frequentes nestas primeiras redações: o uso excessivo de sentenças coordenadas, da conjunção e ou de sua substituição por “a” ou “então”, o uso extremo da repetição como elemento anafórico, ou melhor, a substituição completa da anáfora, enquanto elemento de coesão textual, por repetições. Ela afirma que 72,42% das conexões entre orações eram de natureza coordenativa, o que revelava baixa flexibilidade liguística dos alunos. As orações eram poucas, cerca de 13,75 por estorinha, em uma média de quatro períodos, revelando uma menor fluência linguística, mais pela mínima complexidade das orações do que pelo seu número reduzido. As orações possuíam apenas o verbo e seus argumentos, quando não se dava a elipse de um destes. Cerca de 90% das orações eram de complexidade mínima. As crianças não faziam uso de clíticos, mas também não os substituíam por pronomes do caso reto, como ocorre na linguagem coloquial: nos 22 ambientes em que caberia o uso do clítico, elas optaram pela construção elíptica. O uso do dialeto local também interferiu na produção das redações, seus reflexos mais latentes eram a falta de concordância verbal quando da distância do sujeito ou de sua posposição em relação ao verbo e também a falta de flexão dos elementos determinados dos sintagmas nominais (como em “os bolinho”), ou a não concordância do adjetivo predicativo com o sujeito.

Quanto aos problemas ortográficos, a autora afirma que os desvios apresentavam cinco padrões: substituição de letras mantendo-se a mesma forma fonética; grafia não correspondente a representação fonética, apesar de a pronúncia ser a habitual; erros relacionados à variação dialetal na linguagem; erros de separação silábica equivocada; e total afastamento entre grafia e representação fonética. Para a autora, a maioria dos erros reflete questões referentes à variação dialetal. Por tal motivo, Eglê considera ser importante levar as crianças a compreenderem tal variação e compararem sua pronúncia (e, mais à frente, sua escrita) com a pronúncia-padrão.

Eglê afirma que todos esses problemas presentes nas redações dos alunos revelavam seu sentimento de desvalorização e incapacidade. Para a autora, o declínio da espontaneidade e criatividade das crianças era causado pela própria escola que, rejeitando, desprestigiando e ridicularizando seu dialeto, impunha-lhes as convenções e as normas do dialeto-padrão culto. Essa repressão linguística associada ao autoritarismo do ambiente de sala de aula acaba por reduzir a expressividade, a espontaneidade e a criatividade das crianças. Ela deixa claro que não se trata de caracterizar esses alunos como menos capazes ou detentores de uma linguagem inferior: a questão é que eles estavam apenas iniciando sua vida escolar e já lhes tolhiam a capacidade comunicativa ao lhes imporem um dialeto que ainda não dominavam, ao mesmo tempo em que qualquer expressão carregada de regionalismo ou coloquialidade era rapidamente rejeitada. Como se expressariam nessas condições? Eglê afirma que o professor deve compreender a linguagem da criança e não tentar transformá-la de antemão.

Dessa forma a autora percebeu que seus alunos precisavam recuperar sua autovalorização, reconhecendo-se capazes de expressarem-se a si mesmos, interagirem com a professora e entre si de forma espontânea e livre. Seu objetivo era levá-los a progredirem em fluência e flexibilidade linguística, sem impor-lhes a norma culta como substitutiva de sua própria linguagem. Levá-los a compreender a necessidade de certas convenções para a inteligibilidade dos textos. Aquela valorização do dialeto da criança não deve afastar o aprendizado da norma culta, o aluno não deve ser privado de dominar esse segundo dialeto que lhe será tão necessário dentro da sociedade.

No segundo capítulo a autora começa a descrever algumas atividades que empreendeu na busca de que as crianças compreendessem que a linguagem pode ser usada de diferentes formas, e que há algumas variações dialetais que têm prestígio social e outras que não têm. Ela objetivava que as crianças entendessem que a norma culta, correspondente à linguagem das camadas sociais que detêm poder econômico, foi o dialeto definido como padrão justamente por ser uma variação socialmente prestigiada. Eglê definiu como um de seus objetivos que seus alunos compreendessem essa oposição entre o padrão culto e o popular e que fossem capazes de produzir frases e expressões em ambos os dialetos. Dessa forma, a professora propôs atividades escritas em que eles pudessem perceber essas diferenças nas falas do pedreiro, do padeiro, do delegado, da diretora etc. Todas essas atividades eram antecedidas por discussões orais e os alunos eram sempre lembrados de que nenhum desses dialetos é mais correto que outro. Depois de duas semanas, ela aplicou um questionário oral sobre toda aquela discussão a respeito dos usos da língua e uma tarefa escrita em que cada aluno deveria escrever um diálogo entre ele, enquanto “escritor escolarizado”, e personagens da sociedade como o pipoqueiro ou o lixeiro.

Após essa avaliação ela começou a introduzir as primeiras convenções da escrita, primeiro por meio de diálogos e dramatizações, depois aplicando as conclusões em trabalhos escritos, no que concerne à pontuação em frases interrogativas, afirmativas e exclamativas. Ela também aplicou um exercício em quadrinhos no qual eles pudessem escrever as falas nos balões compreendendo as sucessões de eventos e de diálogos e, depois, transcrevendo em forma de texto as conversas, com a pontuação adequada. De todas essas atividades a autora concluiu que os alunos, ao escreverem fazendo uso da norma culta, associavam a ela o uso de expressões de etiquetas sociais de boa educação. Também percebeu que pouco a pouco deixavam de inserir em seus textos expressões características de seu dialeto local, fazendo uso destas apenas quando queriam representar a fala de personagens de seu meio. Eglê afirma que a evolução das crianças no que diz respeito à pontuação e ortografia era resultado de sua estratégia de introduzir tais conteúdos passo a passo, fixando objetivos graduais e escalares que seriam exclusivamente considerados por ocasião das avaliações.

No capítulo três a autora descreve as atividades em que as crianças reproduziam estorinhas prontas. A reprodução era antecedida pela leitura expressiva da estória por parte da professora, pelo estudos dos recursos expressivos do texto, pela interpretação oral em grupo, pela ordenação e reordenação das unidades do texto e pela ilustração, feita pelas crianças, de eventos do texto. A reprodução seria o último passo dessa atividade. Durante o momento de estudo dos recurso expressivos do texto, as crianças teriam a oportunidade de aprenderem novas palavras, novas formas de conexo entre orações, o padrão da concordância verbal e nominal, entre outras convenções to necessárias prática da escrita em norma culta. Como avaliação para essas atividades de reprodução, a professora propôs a reprodução de um texto de uma aluna conhecida por todos na comunidade. Ela revela que apesar do caráter mimético da atividade, os alunos demonstraram espontaneidade e pequenas inovações de estilo em seus textos.

Eglê afirma que a passagem para a produção textual se deu quase imperceptivelmente para os alunos. Ela propôs um trabalho em quatro etapas: a primeira consistia em produzir um texto a partir de quadrinhos de uma estorinha previamente organizados segundo os acontecimentos; na segunda etapa, os quadrinhos não estariam ordenados; na terceira, a estorinha deveria ser escrita a partir de um parágrafo inicial dado; na última etapa os alunos produziriam um texto livremente a partir de estímulos diversos. A autora cita na segunda etapa uma estratégia utilizada por ela para estimular a interação entre os alunos: a redação coletiva. Essa atividade consistia em levá-los a discutir a respeito da ordenação correta dos quadrinhos, das possibilidades de invenção de fatos. Ela revela que essa prática se tornou habitual e que os alunos, colaborando uns com os outros, evoluíram em fluência linguística, ao compartilharem descobertas e evoluções. Uma atividade referente à última etapa destacada por ela como bem sucedida foi o trabalho do borrão: as crianças fizeram uma mancha com tinta em um papel e, a partir do desenho sugerido pela mancha, deveriam criar uma estorinha.

A autora afirma que a evolução das crianças foi excepcional, mas que apesar disso em alguns momentos algumas delas oscilavam entre um texto muito bem escrito e um trabalho “desastrado”, segundo suas palavras. Para que tais oscilações se tornem menos frequentes ela explica que há a necessidade de continuidade no trabalho do professor, de constância e paciência por parte de quem ensina.

Os alunos dessa turma, antes desvalorizados pelos outros e por si mesmos, passaram a considerar a escrita como uma forma de expressão pessoal, demonstrando espontaneidade tanto nas atividades orais quanto nas escritas. Agora eles compreendiam que sua linguagem não era errada. Compreenderam que havia uma norma-padrão a ser aprendida e que essa era importante para a inclusão deles na sociedade e no mundo da escrita. Seus textos agora apresentavam coesão. Houve um aumento significativo na fluência linguística daquelas crianças, cuja média de períodos por redação passou de 4,4 para 13,8. Agora eles compreendiam a existência de várias formas de conexão entre orações além da coordenação de sentenças: eram capazes de construir orações subordinadas temporais, causais, relativas, reduzidas, entre outras. Aquelas orações de complexidade mínima passaram de 90% para menos de 55% do total de orações utilizadas. Quanto ao domínio do dialeto padrão culto, eles passaram a fazer uso de formas pronominais átonas e a concordância verbal se dava mesmo em ambientes de posposição e distância do sujeito em relação ao verbo. De toda essa evolução, Eglê conclui que a forma mais fácil de levar as crianças a dominar o dialeto padrão culto é justamente respeitando e valorizando o seu dialeto próprio, dando-lhes um espaço para expressão e despertando a sua consciência quanto à existência das variações dialetais.

Redação na Escola é uma obra deslumbrante. Eglê Franchi demonstra que seu trabalho com essa turma de terceira série não se resumiu a uma pesquisa de campo. Ela demonstra ter empenhado todas as suas forças na busca da evolução dessas crianças no exercício da escrita. A abordagem sociolinguística da autora revela sua preocupação com a realidade daquelas crianças e desmistifica muitos aspectos relativos ao aprendizado da norma culta. A autora colocou no livro cópias das próprias redações dos alunos, o que dá uma ideia ainda mais próxima da realidade de seu trabalho em sala de aula. As atividades propostas se mostraram bastante criativas e instrumentalizavam os alunos para uma prática autônoma do ato de escrever. O livro é bastante útil para professores que desejam ver seus alunos aprenderem a fazer uso da escrita enquanto elemento de expressão pessoal.

Por Lorena Brandizzi

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