Tão cedo passa tudo quanto passa!
Morre tão jovem ante os deuses quanto
Morre! Tudo é tão pouco!
Nada se sabe, tudo se imagina.
Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.
Ricardo Reis, 3-1-1923
O poema trata da vida enquanto espaço da transitoriedade. Há a aliteração da consoante |s|, sugerindo uma atmosfera de suavidade, de calma, a mesma calma com a qual o eu-poético aceita a transitoriedade da vida. Uma transitoriedade que faz com que tudo se encerre de forma precoce. O segundo verso pausa antes de que se encerre o significado que sugere, há o efeito de cavalgamento: o referido verso se encerra de forma precoce, lançando seu conteúdo sobre o terceiro verso. O encerramento precoce do verso pode ilustrar a própria precocidade com que tudo quanto morre... morre. O eu-poético constata tal precocidade, e inicia o terceiro verso de forma definitiva e exlamativa: “(...) Morre!”. Essa morte é definitiva: assim como encerra a unidade gramatical, ela encerra tudo e o faz de forma precoce. Também é precoce a forma como o autor constrói as duas sentenças gramaticais que preenchem os dois primeiros versos (e parte do terceiro): as sentenças são construídas na ordem VS, “passa (...) tudo”, “morre (...) tudo”. O verbo antecede ao sujeito fugindo da ordem natural do português que é a ordem SVO. O verbo é inserido de forma precoce na estrutura gramatical da sentença, sugerindo, mais uma vez, a própria precocidade do fim da vida. O eu-poético percebe a natureza dessa dinâmica e chega à conclusão de que a fugacidade da vida se impõe de tal forma que nada do que há (e o que há é “tão pouco”) pode ser apreendido pelo pensamento, pela razão. Nossa impressão do mundo é apenas imaginação, produto de uma reflexão impregnada de subjetividade, de extrapolação, por assim dizer, pois nada é passível de “se saber”. Diante de tal conjuntura, o que resta ao homem é o carpe diem, é gozar a vida. Mas pode-se dizer que há algo como uma armadilha, algo que sugere um desconforto, uma limitação nesta sugestão de carpe diem: o eu-poético impõe o silêncio e essa imposição é taxativa, definitiva. Ele encerra o penúltimo verso sem encerrar a sentença gramatical, deixando suspenso seu último conselho (ou ordem). Ao finalizar a sentença o eu-poético cria um efeito semântico assimétrico, pois as três primeiras expressões passam a ideia de prazer, deleite: devo circundar-me de rosas, ou seja, estar em contato com o que é belo, agradável aos olhos, ao olfato, devo amar, relacionar-me com o outro, doar-me e receber a doação do outro, devo beber, sujeitar o meu paladar ao que lhe cause prazer, satisfação, e, por fim, devo calar (?!). A assimetria é flagrante. Como assim devo me calar? Sim, “(...) E cala”. Apesar de incluí-lo no final da unidade gramatical, o eu-poético negou-se a inserir esse último imperativo no final do verso, da unidade poética, pois para ele essa ordem não é acessória, ela é fatal, é capital. E o que é interessante é que, ao encerrar a unidade sintática a que pertence, a ordem de “calar” encerra tudo, pois “o mais é nada”. Esse silêncio carrega consigo uma atitude de submissão, de aceitação e até de credulidade passiva: tudo morre, mas não morre por morrer, morre ante os deuses, sob sua vontade. Aqui a presença também fatal dos deuses e dos seus arbítrios. Dessa forma, não há o que se objetar, não há o que questionar, não há nem o que se saber. Voltando ao início do poema, percebemos que há um paralelo estrutural entre o terceiro e o sexto versos: ambos iniciam-se finalizando o verso anterior. Esse paralelo pode ser também semântico, pois o que é a morte, se não um calar eterno, um calar tão definitivo quanto o “E cala” proposto/imposto pelo eu-poético? Há uma diferença entre os referidos versos, enquanto no terceiro verso o eu-poético apresenta sua constatação de forma exclamativa, quase como uma descoberta, no sexto verso não há exclamação, não há surpresa, há aceitação, conformação: há o ponto final, tão final, tão definitivo quanto o conselho/ordem de calar-se.
muy bueno
ResponderExcluirObrigada! :)
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