Texto: BONAVIDES, Paulo. Legalidade e
legitimidade do poder político. In: Ciência Política. 10ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000.
O
objetivo central do capítulo analisado é abordar a relação entre legalidade e
legitimidade. Segundo o autor, o conceito de legalidade supõe que “todo poder estatal deverá
atuar sempre de conformidade com as regras jurídicas vigentes” (BONAVIDES,
2000, p. 140). Quando um regime ou governo funciona segundo critérios legais,
suas instituições e atos de autoridade são livres na medida em que observarem
rigorosamente o ordenamento jurídico vigente. Consequentemente, o poder legal é
aquele que é exercido “em harmonia com os princípios jurídicos” (BONAVIDES,
2000, p. 141).
Por
outro lado, Bonavides afirma que a noção de legitimidade é mais complexa, uma vez que traz
questionamentos relativos à motivação ideológica do poder legal. Dessa forma,
um regime é legítimo quando o poder é exercido em “conformidade com as crenças,
os valores e os princípios da ideologia dominante” (BONAVIDES, 2000, p. 141).
O
princípio da legalidade nasceu em resposta à exigência da sociedade por regras
mais estáveis e fundamentadas na razão. Segundo Montesquieu, citado por
Benevides (2000, p. 142), a legalidade seria “sinônimo de liberdade” ao trazer
para os governados um sentimento de proteção geral contra a arbitrariedade dos
governantes. A partir do século XVIII, os governos passaram a ter sua
legitimidade vinculada à observância desse princípio.
Para
Bonavides, dentro da teoria política, a relação entre legalidade e legitimidade
pode ser estudada segundo quatro pontos de vista: “o histórico, o filosófico, o sociológico e o jurídico” (BONAVIDES, 2000, p.143). Uma análise
histórica demonstra que nem sempre houve uma consciência da distinção
entre legalidade e legitimidade. No início do século XIX, essa distinção se
tornou clara para os franceses quando vivenciaram o conflito entre “a
legitimidade histórica de uma dinastia restaurada e a legalidade vigente do
Código napoleônico” (p. 143). Com Luis Felipe, os dois conceitos se separam
ainda mais e a legalidade se impõe sobre a legitimidade. A corrente
racionalista traz a noção de que só é legítimo o poder que é, primeiramente,
legal. No entanto, a legalidade estrita trouxe algumas consequências
desastrosas como, por exemplo, a ascensão “legal” de Hitler.
Do
ponto de vista filosófico, “a legitimidade repousa no plano [...]
dos critérios axiológicos” (BONAVIDES, 2000, p. 145) e é analisada por meio de
proposições filosóficas que buscam os fundamentos para o exercício do poder. Há
um esforço de análise do poder, não como é exercido, mas como deveria ser.
A
compreensão sociológica da legitimidade “implica sempre numa
teoria dominante do poder” (p. 146). Segundo Duverger, citado por Bonavides, os
governados sempre vão reconhecer como legítimo o governo vinculado à teoria
dominante do poder, naquele tempo e local. A legitimidade é vista, assim, como
uma noção “puramente relativa e contingente” (DUVERGER, 1970, p. 39, apud
BONAVIDES, 2000, 147).Seguindo esse raciocínio, Weber “faz que a legalidade
repouse sobre três formas básicas de manifestação da legitimidade: a carismática, a tradicional e a legal”
(BONAVIDES, 2000, p. 148). O poder
carismático funda-se sobre
atributos pessoais do chefe e tem natureza autoritária e imperativa. O poder tradicional repousa sobre a presumida santidade do
líder e sobre a noção de privilégio, tendo um caráter sólido e estável. Já o poder legal, de natureza formal e regulamentada,
sustenta-se sobre a noção de competência, vinculada à observância do estatuto.
Benevides
aborda o ponto de vista jurídico e apresenta a posição do jurista alemão
Carl Schmitt, que “intenta demonstrar que a posse do poder legal em termos de
legitimidade requer sempre uma presunção de juridicidade, de exequibilidade
e obediência condicional e de preenchimento de cláusulas gerais”
(BONAVIDES, 2000, p. 150). A essas exigências o autor acrescenta a necessidade
da teoria constitucional e da filosofia do direito.
Por
fim o autor aborda o problema da finalidade do poder
político, do fundamento
para o exercício do poder e o
problema de se determinar “se todo
governo é legal e legítimo ao mesmo tempo” (BONAVIDES, 2000, p. 152) e como se configura a dissociação
dessas duas características dentro de um governo. O autor deu dois exemplos: o
do governo de Petain, um governo legal e que se tornou ilegítimo quando
abandonou os interesses do povo; e o do governo do general De Gaulle, um
governo ilegal, mas legítimo. Em casos como esse último, de governos que
emergem de revoluções, o autor afirma que “a legitimidade fundará então com o
tempo a nova legalidade” (BONAVIDES, 2000, p. 152).
Bonavides
termina o capítulo apontando para o fato de que o tema proposto é pouco
discutido pela literatura jurídica. Ele apresenta alguns autores que abordam a
questão com mais profundidade. Ele adverte, enfim, que a importância dos
questionamentos levantados se mostra justamente “nas horas de crise do poder”
(BONAVIDES, 2000, p. 153).
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