Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasil. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Cidadania no Brasil



 
Texto: CARVALHO. José Murilo de. “Introdução: Mapa da viagem.” ; “Conclusão: A cidadania na encruzilhada” Em Cidadania no Brasil O longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. pp. 7-13; 219-229

            Carvalho traz uma reflexão extremamente pertinente a respeito dos caminhos percorridos pela democracia brasileira rumo à conquista da cidadania. O autor explica que o fim da ditadura militar, em 1985, criou grandes expectativas em relação aos resultados que seriam gerados pela redemocratização. No entanto, essas expectativas não foram completamente satisfeitas. Segundo Carvalho, conquistou-se a garantia da liberdade de pensamento e de manifestação e a garantia da participação pelo voto, mas ainda resta um longo caminho rumo à conquista de segurança, emprego, desenvolvimento e justiça social. Como consequência, tem-se o desgaste das instituições democráticas já implementadas.
            Para Carvalho, o que está no cerne desse descompasso é o “problema da cidadania”. O autor expliqua que “o exercício de certos direitos, como a liberdade de pensamento e o voto, não gera automaticamente o gozo de outros, como  a segurança e o emprego” (CARVALHO, 2009, p. 8). Apesar de uma cidadania plena, que alcance todas essas garantias, ser um ideal talvez inatingível, torna-se necessária enquanto norte e parâmetro. Essa cidadania plena abarcaria direitos civis, políticos e sociais. A garantia dos direitos civis (fundamentais) dependeria de uma “justiça independente, eficiente, barata e acessível a todos” (CARVALHO, 2009, p. 9). Os direitos políticos dizem respeito à participação da sociedade em seu próprio governo. Por último, os direitos sociais vinculam-se à ideia de distribuição de riquezas e justiça social.
            O autor, fazendo referência a T. A. Marshall, explica que a conquista desses direitos seguiu uma certa sequência lógica na Inglaterra: primeiramente, surgiram lá os direitos civis, depois os políticos e por fim, houve a conquista dos direitos sociais, no século XX. A educação popular, apesar de reconhecida como um direito social, foge a essa sequência, pois está na base da conquista de todos os outros direitos, por permitir que os indivíduos se reconhecessem enquanto sujeitos daqueles direitos e lutassem por eles. Carvalho assume que não há um único caminho para a construção da cidadania plena, mas afirma que caminhos diferentes geram cidadanias diferentes. Segundo o autor, o Brasil se diferencia da Inglaterra, nessa questão, por duas razões: a ênfase nos direitos sociais e a inversão completa na ordem de surgimento/implementação dos direitos.
            Em seguida, Carvalho explicita um outro aspecto histórico da cidadania: seu desenvolvimento vinculado ao surgimento do Estado-nação. Para o autor, “a construção da cidadania tem a ver com a relação das pessoas com o Estado e com a nação. [Elas] se tornavam cidadãs à medida que passavam a se sentir parte de uma nação e de um Estado” (CARVALHO, 2009, p. 12). O autor aborda a crise do Estado-nação, inserida no contexto da internacionalização do capitalismo, dos avanços tecnológicos e da criação de blocos econômicos e políticos, que acabaram por reduzir o poder dos Estados.
            No capítulo de conclusão, é retomado o problema da cidadania no Brasil. De forma mais clara, Carvalho se posiciona a respeito do caráter prejudicial daquela inversão cronológica dos direitos que aqui se deu. A implementação dos direitos sociais em um momento de “supressão dos direitos políticos e redução dos direitos civis por um ditador que se tornou popular” (CARVALHO, 2009, p. 219) criou aqui uma cultura de valorização do Poder Executivo, uma “estadania”, como o autor a denomina. Como consequência, a sociedade não valoriza a representação e vê escapar de suas mãos importantes direitos civis. Além disso, há prejuízo em sua capacidade de organização e os representantes do Poder Legislativo são desprezados, ao mesmo tempo em que são vistos como fonte de favores pessoais.
            Carvalho acredita que, apesar da gravidade da situação, há esperança para o Brasil, que ainda não sofre de mazelas mais graves, como a redução extrema do papel do Estado e o apagamento da identidade nacional, que estão afetando países da União Europeia. Para o autor, a esperança aqui reside em duas experiências que, para ele, sugerem otimismo: “o surgimento das organizações não-governamentais que, sem serem parte do governo, desenvolvem atividades de interesse público” (CARVALHO, 2009, p. 227) e experiências de prefeituras que têm procurado envolver a população na “formulação e execução de políticas públicas, sobretudo no que tange ao orçamento e às obras públicas” (CARVALHO, 2009, p. 228).        
            Por fim, o autor alerta para o risco da cultura do consumo, que ameaça o avanço democrático ao criar na sociedade uma valorização maior do direito ao consumo, do que dos direitos políticos. Segundo Carvalho, essa cultura dificulta a busca pela solução do problema da cidadania, impedindo que o sistema democrático resolva o grande problema da desigualdade que para o autor é a nova escravidão: “a desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma sociedade democrática” (CARVALHO, 2009, p. 229).

Sistemas eleitorais



 https://fanut.ufg.br/up/128/o/Elei%C3%A7%C3%A3o.gif?1354742717 


Texto: NICOLAU, Jairo. “Cap.1 – Sistemas majoritários; Cap.2 – Sistemas proporcionais”. In: Sistemas eleitorais. 5ª Edição; Rio de Janeiro: FGV, 2004, pp. 17-61

No Capítulo 1, Nicolau aborda os sistemas eleitorais majoritários, entendidos como aqueles em que os candidatos mais votados são os únicos que alcançam representação. O autor aborda separadamente os sistemas de maioria simples, de dois turnos e de voto alternativo. No sistema de maioria simples, o candidato eleito é que o recebe mais votos que seus representantes. Esse sistema tem sido utilizado no Reino Unido desde 1264, quando surgiu o Parlamento. O território inglês divide-se em 659 distritos, sendo que cada partido pode apresentar apenas um candidato por distrito (sistema de maioria simples em distrito uninominal). Segundo Nicolau, as críticas a esse sistema apontam para distorções de representação. No entanto, seus defensores argumentam que ele permite que os eleitores tenham um maior grau de controle dos representantes eleitos.
Em seguida, Nicolau explica o funcionamento do sistema de dois turnos. Segundo o autor, quando ele é utilizado para a eleição de membros da Câmara dos Deputados, funciona de forma semelhante à do sistema de maioria simples, pois também há a divisão do país em distritos uninominais. Caso nenhum dos candidatos alcance mais de 50% dos votos, há um segundo turno em que os candidatos mais votados disputam novamente. Os defensores desse sistema afirmam que há “garantia de representação de comunidades no Parlamento e maior capacidade de controle da atividade do representante” (p. 25). Além disso haveria uma tendência à eleição de partidos mais moderados. No entanto, Nicolau argumenta que não há a garantia de que uma vitória por maioria absoluta garanta a obtenção de mais de 50% de representatividade por parte do partido seja alcançada nacionalmente.
Nicolau avança em sua explanação apresentando as características do sistema de voto alternativo, adotado na Austrália para a escolha dos membros da House of Representatives. Dentro desse sistema, não há a necessidade de uma nova eleição para que o candidato receba maioria absoluta dos votos, pois há a transferência de votos dos candidatos com menor número de votos. O autor afirma que esse sistema, apesar de eleger um candidato representativo, não evita “as distorções entre a votação e a representação dos partidos na Câmara dos Deputados” (NICOLAU, 2004, p. 29).
Segundo Nicolau, no que diz respeito à eleição de presidentes, o sistema majoritário é o mais utilizado, sendo que há países em que essa escolha é direta e países onde é indireta, como nos Estados Unidos, onde um colégio eleitoral, composto por 538 delegados, elege o novo presidente. Caso nenhum candidato obtenha maioria absoluta dos votos, o novo representante do Executivo será escolhido pela Câmara dos Deputados. O autor ainda apresenta exemplos de países onde o presidente é escolhido pelo sistema de maioria simples (México, Venezuela, Honduras, entre outros) e pelo sistema de dois turnos (Brasil, Áustria, Portugal, Rússia, entre outros). Nicolau finaliza o capítulo apontando para o fato de que o sistema eleitoral influencia o padrão de coalizão de partidos.
No segundo capítulo, relativo à representação proporcional, o autor apresenta suas duas modalidades: o voto único transferível e o sistema de lista. Segundo Nicolau, a representação proporcional busca “que assegurar a diversidade de opiniões de uma sociedade esteja refletida no Legislativo e garantir uma correspondência entre os votos recebidos pelos partidos e sua representação” (NICOLAU, 2004, p. 36). O voto único transferível tem em sua base o sistema proposto por Thomas Hare, que acreditava que as opiniões individuais deveriam ser representadas, mais do que a opinião de partidos ou comunidades. Para Nicolau, nesse sistema, “o eleitor tem controle sobre a natureza da transferência de seu voto [pois] (...) a transferência dos votos é feita exclusivamente para os nomes especificados pelo eleitor” (NICOLAU, 2004, p. 41).
No sistema de representação proporcional por lista, “cada partido (ou coligação) apresenta uma lista de candidatos; os votos de cada lista partidária são contados; as cadeiras são distribuídas entre os partidos proporcionalmente à votação obtida pelas listas; as cadeiras são ocupadas por alguns dos nomes que compõem a lista” (NICOLAU, 2004, p. 43). Apesar de parecer simples, Nicolau afirma que trata-se de um sistema complexo, afetado por cinco fatores: a fórmula eleitoral adotada para a distribuição de assentos; “a magnitude dos distritos e a existência de mais de um nível para alocação de cadeiras” (NICOLAU, 2004, p. 43); a cláusula de exclusão de partidos; a possibilidade da construção de coligações e as regras estabelecidas para a própria formação da lista (lista aberta ou fechada).
O autor finaliza apresentando as críticas à representação. A primeira critica a ênfase na ideia da representatividade em eleições e a indiferença quanto ao seu objetivo de formação dos governos. Esse sistema tende à produção de governos instáveis em que os partidos acabam por sofrer mutações quando entra em coalizões, deixando de representar o que seus eleitores acreditavam que ele representaria. A segunda critica a exigência de distritos plurinominais que reduziriam a ligação entre eleitores e representantes, prejudicando a possibilidade de o eleitor punir ou recompensar o representante eleito, com base em sua atividade política.

Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. (BARROSO, Luís Roberto.)



Texto: BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática.

            Em seu artigo, Barroso aborda os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial no Brasil, apontando as diferenças entre eles e as consequências positivas e negativas que geram nos cenários político e jurídico nacionais. Segundo o autor, a judicialização ocorre quando “questões de larga repercussão política ou social estão sendo decididas por órgãos do Poder Judiciário, e não pelas instâncias políticas tradicionais: o Congresso Nacional e o Poder Executivo” (BARROSO, p. 3). Para o autor, esse fenômeno não é exclusividade do Brasil, mas algumas de suas causas seriam decorrentes de nossa organização institucional.
A primeira causa apontada por Barroso foi a redemocratização que levou à promulgação da Constituição Federal de 1988 e que tornou a Justiça brasileira, mais especificamente o Supremo Tribunal Federal, mais independente e politicamente ativo. Além disso, ela trouxe conscientização à população quanto à possibilidade de acesso à Justiça com vistas à proteção de seus direitos. A segunda causa da judicialização foi o que o autor denomina constitucionalização abrangente, fenômeno que tornou constitucionais questões que antes pertenciam ao âmbito legislativo e político. O autor explica que, quando uma questão é elevada ao nível constitucional, “ela se transforma, potencialmente, em uma pretensão jurídica, que pode ser formulada sob a forma de ação judicial” (BARROSO, p. 4). A última causa apresentada pelo autor é “o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade” (BARROSO, p. 4), com sua possibilidade de controle difuso e incidental ou controle concreto, por ação direta do STF. Esse último aspecto tornou possível o tratamento pelo STF de praticamente qualquer questão de relevância política ou moral. O autor explica que a judicialização não se deve à vontade do Judicário: o STF não tem a opção de se manifestar ou não a respeito de uma ação, desde que ela preencha os requisitos legais de cabimento. Dessa forma, a judicialização é consequência do desenho institucional e não de uma postura voluntária do Judiciário.
            Barroso trata em seguida do segundo fenômeno citado anteriormente, o ativismo judicial, que seria, diferentemente da judicialização, decorrente de uma “escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance” (BARROSO, p. 6). A auto-contenção judicial apresenta-se como o fenômeno oposto ao ativismo, pois pressupõe três atitudes: o judiciário evita agir quando não há indicação expressa de cabimento de sua ação; utilização de “critérios rígidos e conservadores para a declaração de inconstitucionalidade de leis e atos normativos” (p. 7); e abstenção em questões de políticas públicas. Segundo Barroso, tanto a judicialização quanto o ativismo judicial devem-se a uma crise extrema no Legislativo que tem instigado o Judiciário a avançar na busca da defesa da Constituição, uma vez que aquele poder tem se mostrado omisso em suas funções e ilegítimo no exercício da representatividade.
            Para o autor, os fenômenos apresentados têm uma face positiva e outra negativa. Do ponto de vista positivo, o Judiciário tem tratado de questões que aguardavam posicionamento legal há muito tempo, como por exemplo a greve no serviço público. No entanto, há um lado negativo, a saber, a exposição das mazelas do Legislativo. Barroso deixa bem clara a necessidade urgente de uma reforma política que viria a “fomentar autenticidade partidária, estimular vocações e reaproximar a classe política da sociedade civil” (BARROSO, p. 9).
O autor apresenta, em seguida, as críticas relativas à intervenção judicial excessiva na sociedade brasileira. Tais críticas se voltam à ameaça à legitimidade democrática, à politização da justiça e à limitação da capacidade institucional do Judiciário. Quanto à primeira crítica, o autor explica que há dois fundamentos que garantem a defesa da legitimidade democrática por meio da intervenção judicial: um fundamento normativo (previsão constitucional de atuação técnica e imparcial do Judiciário) e um fundamento filosófico (o Judiciário é responsável pela defesa do Estado constitucional democrático). Quanto à segunda crítica, a politização do Direito, o autor a rebate afirmando que apesar de não haver um limite claro separando política e Direito, “em uma cultura pós-positivista, o Direito se aproxima da Ética, tornando-se instrumento da legitimidade, da justiça e da realização da dignidade da pessoa humana” (BARROSO, p. 13). Quanto à última crítica, que se concentra na capacidade institucional limitada do Judiciário, o autor reconhece a necessidade de que esse Poder se avalie quanto aos limites de sua capacidade técnica de decisão e aos efeitos sistêmicos que podem advir de seus posicionamentos, se auto-limitando espontaneamente quando necessário.
Barroso conclui retomando resumidamente cada ponto abordado e apontando para o fato de que o ativismo judicial, até o momento, tem operado de forma benéfica, sendo parte da solução para questões que afligem o país há muito tempo. No entanto, segundo o autor, “ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado” (BARROSO, p. 19). Para Barroso o problema real, carente de solução, é “a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder legislativo” (BARROSO, p. 19).

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Entre o ceticismo e a esperança






O Brasil é conhecido mundialmente pelos seus três famosos dias de carnaval e pelo seu futebol premiadíssimo. Nos últimos anos, no entanto, a fama de nosso país tem se expandido para além de suas festas e de seus jogadores: a corrupção de nossos políticos chegou a um nível tão crítico que até no exterior nossos “homens de poder” se tornaram celebridades. Que temos políticos corruptos sentados no Congresso Nacional e nos “representando”, não é algo que desconheçamos e talvez nem seja algo que nos surpreenda ou indigne (não mais). O que nos causa indignação é a sensação de que a justiça nunca será feita.
Ano após ano contemplamos estupefatos esses representantes de si mesmos sendo conduzidos às mais altas cortes e voltando de lá ilesos, como se nossos tribunais fossem fontes de águas purificadoras capazes de tornar ilibada a mais reprovável conduta. A sociedade assiste, do lado de cá, toda sorte de dossiê, de operação, de CPI, com a expectativa ingênua de que tais procedimentos tenham um norte, de que em algum momento, por mais futuro que seja, o político seja penalizado por seus atos criminosos. No entanto, a impressão que temos é que as mãos da justiça estariam atadas e que na maioria das vezes, a própria legislação pertinente a cada caso possibilita interpretações múltiplas, adequadas a cada gosto.

Há, porém, um fio de esperança. Nossa expectativa frustrada encontra um amparo nos momentos em que vislumbramos um ou outro ato heróico por parte de nossos magistrados. Momentos em que a justiça se sobrepõe à politicagem renovando a esperança de uma sociedade quase às portas do ceticismo.

Por Lorena Brandizzi

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Plurilinguismo




A Língua Portuguesa deixou de ser propriedade de Portugal já faz algum tempo. Devido às relações comerciais e políticas que Portugal mantinha com países da América, África e até do Oriente, nossa língua passou a ser falada em vários lugares do mundo. No entanto, apesar de no Brasil estarmos acostumados a ouvir, e também a falar, apenas uma língua, nos parece extremamente estranha a situação de falantes de Língua Portuguesa em Cabo Verde e em Guiné Bissau, por exemplo.

Em tais países, a Língua Portuguesa é a língua escrita em qualquer situação. A Língua da escola. O crioulo por sua vez é a língua do convívio, a língua que se fala entre os amigos na escola, entre os familiares em casa, ou seja, nas relações informais. Em Cabo Verde, por exemplo, apesar de o Português ser quase que uma língua de prestígio, os falantes reconhecem que só podem expressar sua identidade cultural por meio da língua materna.

Em Guiné-Bissau, a Língua Portuguesa foi instituída como língua oficial antes mesmo da independência do país que se deu em 1976. No entanto, mais de 10 línguas eram faladas em tal país, e muitas delas caracterizam determinadas etnias. Também em Guiné-Bissau o Português foi instituído como língua de ensino e o crioulo permaneceu como língua de comunicação informal. Na administração, tanto português quanto crioulo são usados. Alunos de Guiné-Bissau relataram, em sala de aula, que para a maioria deles é normal estudar Português na escola, falar crioulo como os amigos e em casa conversar em língua materna com os pais. Eles explicaram que muitos pais sentem-se no dever de ensinar seus filhos suas línguas maternas (mesmo que sejam duas, uma do pai e uma da mãe) para que tais línguas não sejam extintas.

Essa situação de plurilinguismo pode ser encontrada em muitos outros países falantes de Língua Portuguesa. Em Moçambique, por exemplo, o Português é a língua falada pela elite escolarizada, mas há crianças que já o têm como Língua Materna. Em Angola o que se percebe é que é grande a diversidade étnica e cultural. A maior parte da população tem como língua materna uma língua local. O Português é tratado e ensinado como segunda língua e são muitas as diferenças estruturais e lexicais entre o Português de lá e o brasileiro. Ainda podemos citar Timor Leste e Luanda como países onde se pode perceber um plurilinguismo latente. Em Luanda, no entanto, o uso de línguas locais é minoritário.

Formação da Língua Portuguesa

......................................................................................



A História da Língua Portuguesa remonta ao século III a.C.. O processo de romanização da Península Ibérica foi o marco inicial do desenvolvimento do Português. O Latim se difundia à medida que os romanos avançavam Península a dentro. Os diferentes substratos tiveram sua parcela de contribuição para as peculiaridades de cada uma das línguas que foram se desenhando na Península e posteriores invasões trouxeram consigo os superstratos que, mesmo que de forma mais branda, também influenciaram na formação das Línguas. Quanto ao Português, costuma-se dividir sua História em cinco fases.

À fase do Português pré-literário corresponde um período de tempo em que a língua falada se distinguia muito da língua escrita. Enquanto a língua utilizada para registros escritos era o Latim, a língua que se falava era o romance. A partir do século XII, tem início o período do Português Antigo, cujo marco inicial são os primeiros textos escritos em Português. Esse período, que se estenderá até o século XV, caracteriza-se por uma fase comum ao Galego e ao Português. Este foi um período, caracterizado pela dificuldade, já anunciada na fase do Português pré-literário, que se enfrentava em registrar uma língua, já bastante elaborada, por meio dos recursos limitados do Latim. Parece importante salientar, mesmo que rapidamente, alguns pontos interessantes em relação aos sistemas vocálico e consonantal do Português Arcaico (entendido este como o português dos séculos XIII e XIV), pois muitas das mudanças que se deram em nossa língua têm origem em processos de supressão, adição, substituição e transformação de vogais, consoantes, encontros vocálicos entre outros.

O Português da fase arcaica surpreende devido à abundância de seqüências hiáticas que surgiram devido ao apagamento das oclusivas sonoras e do N e L intervocálicos. Exemplos dessas seqüências são: VIDI > vi-i > vi; SOLO > so-o > só; MANU > mã-o > mão [ãw]. Em vi e em só, à síncope da oclusiva e do L intervocálico, sucedeu-se a contração das duas vogais. Em teia o que se observa é a inserção de uma semivogal TELA > tea > teia. Em mão, o hiato foi resolvido pela ditongação. Aqui ocorreu o alargamento do elenco vocálico do Português pela aquisição de ditongos nasais.

Quanto ao sistema consonântico, uma das diferenças do Português Antigo em relação ao atual é a existência de fonemas africados. A semivogal palatal /j/ que surgiu como uma das soluções para alguns hiatos latinos, palatalizou algumas consoantes, que evoluíram para novas consoantes. A oclusiva dental /t/ ou vela /k/ antes de /j/ resultou na africada palatal /t /. No Português essa africada despalatalizou: TERTIU > ter[tj]o > ter[tsj]o > ter[t ]o > ter[ts]o > terço. A velar /k/ junto à vogal palatal resultou na africada dental: CENTO > [ts]ento > cento. Em contextos intervocálicos essas africadas podiam sonorizar: PRETIARE > pre[ts]ar > pre[dz]ar > prezar. O sistema do Português arcaico passou a apresentar quatro elementos distintos: duas africadas predorsodentais [ts] e [dz] e duas fricativas apicoalveolares [s] e [z]. No ramo palatal se distinguiram também quatro elementos resultantes de processos de palatalização e dos grupos latinos iniciais PL, CL e FL: PLANO>[t ]ão, chão; PASSIONE > pai[ ]õ, paixão; GENTE > [d ]ente, gente; BASIU > bei[ ]o, beijo. A africada palatal sonora simplificou e convergiu com a fricativa / / na fase inicial do Português Arcaico, mas a africada palatal surda ainda se conserva no dialeto setentrional do Português. Na grafia tem-se para /t / e / /, respectivamente,
e . Esclarecidos esses fatores passemos à Fase de grandes transformações históricas.

Galego e Português começam a diferenciar-se a partir do século XIV quando o Português, acompanhando o processo de expansão territorial de Portugal, passa por um movimento de elaboração e estandardização e fixa-se como língua nacional. À próxima fase do desenvolvimento da língua portuguesa corresponde um período repleto de transformações sócio-históricas e lingüísticas, um período que assiste à derrota da aristocracia rural do norte de Portugal pela burguesia em ascensão, na assim conhecida Batalha de Aljubarrota. A partir desse momento o centro político de Portugal desloca-se para o sul. Esse período, conhecido como Português Médio (ou pré-clássico), vai do século XV ao século XVI e apresenta um Português cada vez mais elaborado e que caminha para uma padronização com base literária, e para uma diferenciação ainda maior em relação ao Galego.

O período seguinte é marcado por uma reflexão metalingüística sistemática ou seja, por um esforço pela normatização. O Português Clássico tem início com a impressão da Grammatica da Lingoagem de Fernão de Oliveira em 1536 e se estende até o século XVIII. As mudanças pelas quais o Português passa nesse período são resultado de um conjunto de fatores que, embora diversos, colaboraram em conjunto para o rascunho de uma atitude científica em relação à língua: o Renascimento e os Descobrimentos são alguns desses fatores. O padrão lingüístico é estabelecido por meio do ensino, da disciplina gramatical, da literatura e da imprensa.

Ao Português Moderno corresponde o período do século XVIII até os dias atuais. Ao que parece, a língua não passou por mudanças extremas nesse período. A tecnologia e o ensino têm sido

responsáveis pela difusão da língua. O Português deixou de ser “propriedade” de Portugal e passou a ser instrumento de comunicação em diversos lugares com os quais Portugal mantinha relações comerciais e/ou políticas (principalmente de relações de domínio), sendo falado na América, na África e no Oriente. Alguns autores afirmam que é possível a compreensão entre europeus, africanos e americanos, no entanto, as diferenças dialetais são imensas e parecem influenciar sobremaneira a comunicação entre essas comunidades.

Conscientes da importância da união entre países que compartilham uma mesma língua, Portugal, Brasil e alguns países da África assinaram, em 1996, a declaração constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), cuja maior atribuição consiste em administrar questões relativas a políticas de idioma, de língua, lingüísticas e de ação educacional, todas voltadas para a preservação das línguas locais, onde seja o caso, e para a difusão da Língua Portuguesa.
OBS.: As inscrições dos símbolos fonéticos ainda não estão completas.

Fonte:
CARDEIRA, Esperança,
"O Essencial sobre a História do Português". Editorial Caminho, 2006.

A norma culta e o português jurídico

  Por que os textos oficiais devem obedecer às regras gramaticais da língua portuguesa? Uma análise do inciso V do art. 5º da Portaria...