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domingo, 2 de maio de 2010

Resenha: "Elementos de Pedagogia da Leitura" de Ezequiel Theodoro da Silva




SILVA, Ezequiel Theodoro da, Elementos de Pedagogia da Leitura. 2a ed. São Paulo: Martins Fontes, 1993. (Texto e Linguagem)

“Elementos de Pedagogia da Leitura” é um livro que trata das dificuldades que o ensino da leitura encontra no ambiente escolar. O autor procura denunciar as condições precárias em que se encontra essa prática em nossas salas de aula e, ao mesmo tempo, busca também apresentar, não soluções, mas caminhos ou direcionamentos para a melhoria desse quadro. No primeiro capítulo do livro, “A presença e o lugar da leitura na escola”, Ezequiel apresenta, como forma de paisagem, algumas daquelas dificuldades: a falta de condições concretas para a produção de leituras, a mistificação da palavra escrita, a não integração curricular entre as disciplinas, a deficiência na disponibilização de acervos ou na utilização das bibliotecas, as expectativas equivocadas em relação ao aluno leitor, entre outras.
Após desenhar a referida paisagem, o autor passa a investigar as causas para tais problemas com o objetivo de traçar o esboço para um novo projeto, uma nova “pedagogia da leitura”. Ezequiel inicia esta investigação tratando da figura do professor. Mais uma vez o autor aponta para a impossibilidade de um professor que não lê vir a ter sucesso no ensino da leitura. Ele explica que se faz necessário que esse professor tenha acesso a condições adequadas à produção de leituras: condições financeiras para a aquisição de livros desejados e tempo para consumir, ou fruir, esses livros. Ainda quanto ao professor, o autor ensina que a falta de pesquisa e produção intelectual na área da teoria da leitura leva muitos professores a basearem sua prática docente em metodologismos e dogmatismos infrutíferos. Por tal motivo, ele sugere que nossas universidades incluam nos currículos dos cursos de licenciatura um encaminhamento didático-pedagógico específico para o ensino crítico da leitura.
No terceiro capítulo do livro o autor apresenta uma crítica à censura, em suas diversas modalidades. Apesar de o livro ter sido escrito (ou pensado) em um período pós-ditadura, e apesar de tratar da censura que se praticava durante aquele tempo de autoritarismo, trata também de outros tipos de censura praticados dentro da família, da comunidade e, até mesmo, dentro da sala de aula. O autor afirma que até o fato de nos policiarmos quanto à linguagem que utilizamos em determinados ambientes pode ser classificado como censura. Para ele a censura é um instrumento de reprodução das estruturas sociais ao longo do tempo e, por tal motivo, deve ser banida de nossas escolas. O discurso de Ezequiel parece transmitir uma revolta contra todo tipo de autoridade e parece sugerir que as crianças escolham livremente, com base em seus interesses (inatos!?), os livros que desejam ler. Trata-se de um discurso contraditório, pois o próprio autor, em outras obras, ensina que o trabalho com leitura em sala de aula deve ser feito como uma espiral, direcionado de forma que o aluno tenha acesso a diferentes obras e que seja capaz de fruir consciente e criticamente todas elas. Percebe-se que é impossível que se retire desse cenário o papel de orientador do professor.
Um outro ponto controverso nos é apresentado no terceiro capítulo intitulado “Por melhor leitura: o combate à redundância e à superficialidade teórica”. O capítulo destina-se a discutir algumas atitudes docentes que prejudicam o ensino da leitura na escola, quais sejam: tendência a se pensar que o leitor já nasce feito, métodos a-críticos de alfabetização, a interpretação de que a leitura seja uma atividade que dependa do berço da criança, o confinamento do hábito da leitura ao período da infância, a limitação dos temas das leituras a questões relacionadas unicamente à experiência imediata da criança, a abordagem da televisão como totalmente contrária à manutenção do hábito da leitura, o uso indiscriminado das fichas de leitura, a difusão da leitura dinâmica a todas as áreas do conhecimento e a confusão entre os conceitos de interpretação e compreensão. O ponto controverso referido anteriormente diz respeito à questão da alfabetização: o autor afirma que as aulas de alfabetização transformam a parte mecânica do ler-escrever em um fim em si mesma e que “o aluno decodifica os sinais, recitando-os ou lendo-os em voz alta, mas não atinge os referentes dos textos e as suas implicações”. Esse aluno ao qual o autor se refere deve ter entre 6 e 7 anos. Trata-se de uma criança que ainda não tem domínio da habilidade de decodificação. Parece difícil pensar em referente quando temos um aluno que ainda não decodifica, que ainda não conhece o código que carrega esse referente. Não queremos, dessa forma, afirmar que é impossível a prática de um ensino crítico durante o período de alfabetização, mas torna-se necessário salientar que há a necessidade de uma parte mecânica, há a necessidade de um trabalho estrutural, de um esforço de memorização (por mais temível que seja essa prática para a pedagogia libertadora). Infelizmente, essa criança nunca será capaz de atingir os referentes desse texto se ela não se apoderar do código, da compreensão da parte estrutural desse código. Apesar dessa pequena controvérsia, o autor faz uma colocação muito pertinente na parte que trata da questão dos temas das leituras que sugerimos às crianças. A afirmação de que toda e qualquer leitura deve estar diretamente relacionada à experiência imediata do aluno já se esgotou a muito tempo, como nos ensina a autora citada por Ezequiel, Leonor Scliar Cabral, ao declarar que aquela prática acaba por limitar a aprendizagem da criança, confinando-a em seu próprio mundo e isolando-a de tudo que não tenha conexão com seu ambiente.
O autor ainda trata da problemática da utilização da literatura como meio para o ensino da gramática (tradicional) e do esgotamento do padrão do livro didático no que diz respeito ao trabalho com textos literários (um trabalho sempre estilhaçado e descontínuo, segundo Ezequiel), o padrão ler o texto > responder o questionário de “compreensão” > fazer os exercícios gramaticais > escrever uma redação a partir do texto para correção do professor. As colocações do autor são pertinentes na medida em que deixam claro que a literatura deve ser um objeto para fruição e não um meio fragmentário para a prática de operações gramaticais.
Ezequiel ainda ensina que o professor deve se perguntar sobre a finalidade do seu ensino de leitura: ele educa para a adaptação ao meio ou para a libertação e transformação? O autor aponta para a importância do hábito da leitura na vida pessoal, acadêmica e profissional de uma pessoa afirmando que o livro é um instrumento de conhecimento e crítica que capacita o leitor a lutar contra o status quo na medida em que lhe abre os olhos para horizontes aos quais, de outra sorte, não teria acesso. Apesar do tom de ultra-valorização da leitura, as afirmações do autor revelam o poder que tal hábito transfere a quem o exerce.
O último capítulo do livro é composto por sugestões de trabalhos a serem desenvolvidos em sala de aula com vistas à produção da leitura, ao florescimento do prazer em praticar e manter tal hábito. O autor explica que tais sugestões não devem ser entendidas como receitas, pois cada criança e cada classe são únicas, assim como são únicos os momentos vividos por cada uma delas. São atividades bastante criativas que envolvem sempre a participação ativa e coletiva dos alunos, quase sempre em grupos para que o conhecimento seja partilhado na horizontalidade como sugerido anteriormente pelo autor.
O presente livro apresenta uma leitura mais agradável se comparado aos componentes da Trilogia Pedagógica. Os temas apresentados nos capítulos são dispostos de forma contínua e progressiva e parece ser essa continuidade que confere ao texto a possibilidade de uma fruição mais significativa, apesar de tais temais serem os mesmos re-apresentados na trilogia.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Resenha "Redação na Escola" (Eglê Pontes Franchi)

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FRANCHI, Eglê Pontes, A Redação na escola: e as crianças eram difíceis. 2 Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. 243 p. il.

Redação na Escola foi originalmente escrito sob a forma de dissertação de Mestrado na área de Metodologia do Ensino. O trabalho de pesquisa e prática da professora Eglê Franchi foi desenvolvido na E.E.P.G. Agrícola Dr. Antônio Carlos de Couto Barros, na Vila Santana, no distrito de Sousas, a 9km de Campinas, São Paulo. As crianças que frequentavam a escola eram, em sua maioria, moradoras do Conjunto Habitacional de Vila Santana, pertencentes ao estrato inferior no que diz respeito à situação econômica das famílias. Eglê Franchi, durante quatro meses, dispôs-se a documentar e avaliar seu dia-a-dia de trabalho à frente de uma turma da terceira série do primeiro grau, composta inicialmente por vinte alunos, dos quais três foram transferidos para outras escolas. Um desses dezessete alunos, segundo Eglê, não obteve sucesso algum durante os quatro meses de trabalho. Tal aluno, apesar de capaz de ler e interagir socialmente, não conseguia escrever. A professora evitou definir o seu caso como patológico e afirmou que a ausência de um psicólogo na escola e de um programa de assistência a crianças com dificuldades de aprendizagem tornou ainda mais difícil o seu trabalho junto àquela criança. Dos dezesseis alunos restantes, a autora afirmou que onze já haviam sido reprovados anteriormente. Essa turma que lhe foi designada continha aqueles alunos rejeitados pelos professores (seis educadores já haviam passado por essa classe) como incapazes, alunos-problema, burros ou mesmo como deficientes mentais. Toda essa estigmatização deu origem a um grupo de alunos que se desvalorizavam, que aceitavam para si aquela imagem de fracos e indisciplinados. Esse sentimento de autodesvalorização, segundo a autora, estava na base do comportamento agressivo que eles demonstravam constantemente.

Na Introdução ao seu livro, Eglê discorre a respeito das conseqüências desastrosas dessa atitude segregacional do sistema educacional que, oferecendo à criança socialmente desvalorizada um conhecimento totalmente desconectado de sua realidade, estigmatizando suas origens e sua língua, pressionando-a constantemente por meio de notas, acaba por negar-lhe o acesso ao saber, o saber que poderia libertá-la da opressão do sistema capitalista, dando-lhe condições de ascensão social e humana.

No primeiro capítulo do livro a autora apresenta sua proposta: empreender um trabalho de reflexão teórica e metodológica que não se afastasse da situação real de sala de aula, com o objetivo de analisar os problemas causados pela imposição da norma culta às crianças em início de escolarização e como essa imposição afeta a criatividade dessas crianças. A autora descreve seu primeiro contato com aquela turma como desagradável, pois a uma tentativa de apresentação se seguiu uma discussão repleta de xingamentos. Entretanto, a professora optou por não repreendê-los, mas aproveitou a situação para explorar-lhes a rivalidade, tirando daí uma primeira lição: a de que sua intervenção em momentos de crise deveria sempre buscar alterar e reorientar o processo, de forma positiva e ativa, e não por meio da repreensão, sempre negativa.

As atividades propostas por Eglê tinham sempre alguma conexão com a realidade das crianças e sempre provinham de uma sondagem de interesses. De um questionário sobre suas expectativas a respeito da escrita surgiu a primeira proposta de trabalho: a redação de estorinhas. Antes de solicitar-lhes a execução desse trabalho, a professora realizou uma atividade improvisada com gestos e mímicas, o que, dada a ludicidade e espontaneidade da atividade, lhe proporcionou o ambiente adequado para uma interação mais ativa com e entre os alunos. Foi assim que lhes propôs que redigissem uma estorinha.

As redações produzidas nesse primeiro momento eram curtas e pouco criativas, apesar de possuírem uma certa coesão interna. Os textos eram fragmentos de estorinhas ouvidas ou lidas nos livros didáticos e revelavam a tentativa das crianças de seguirem um modelo e uma linguagem estereotipados. Eglê levantou duas hipóteses para esse comportamento: seria resultado do hábito que os adultos têm de falar criança como se essa fosse incapaz de compreender algo mais complexo, ou então, tal comportamento teria origem em estereótipos veiculados pelos próprios livros didáticos. A autora acredita que ambas as hipóteses estão corretas.

Os textos produzidos se pareciam com blocos de orações justapostas. Eglê apresenta os problemas mais frequentes nestas primeiras redações: o uso excessivo de sentenças coordenadas, da conjunção e ou de sua substituição por “a” ou “então”, o uso extremo da repetição como elemento anafórico, ou melhor, a substituição completa da anáfora, enquanto elemento de coesão textual, por repetições. Ela afirma que 72,42% das conexões entre orações eram de natureza coordenativa, o que revelava baixa flexibilidade liguística dos alunos. As orações eram poucas, cerca de 13,75 por estorinha, em uma média de quatro períodos, revelando uma menor fluência linguística, mais pela mínima complexidade das orações do que pelo seu número reduzido. As orações possuíam apenas o verbo e seus argumentos, quando não se dava a elipse de um destes. Cerca de 90% das orações eram de complexidade mínima. As crianças não faziam uso de clíticos, mas também não os substituíam por pronomes do caso reto, como ocorre na linguagem coloquial: nos 22 ambientes em que caberia o uso do clítico, elas optaram pela construção elíptica. O uso do dialeto local também interferiu na produção das redações, seus reflexos mais latentes eram a falta de concordância verbal quando da distância do sujeito ou de sua posposição em relação ao verbo e também a falta de flexão dos elementos determinados dos sintagmas nominais (como em “os bolinho”), ou a não concordância do adjetivo predicativo com o sujeito.

Quanto aos problemas ortográficos, a autora afirma que os desvios apresentavam cinco padrões: substituição de letras mantendo-se a mesma forma fonética; grafia não correspondente a representação fonética, apesar de a pronúncia ser a habitual; erros relacionados à variação dialetal na linguagem; erros de separação silábica equivocada; e total afastamento entre grafia e representação fonética. Para a autora, a maioria dos erros reflete questões referentes à variação dialetal. Por tal motivo, Eglê considera ser importante levar as crianças a compreenderem tal variação e compararem sua pronúncia (e, mais à frente, sua escrita) com a pronúncia-padrão.

Eglê afirma que todos esses problemas presentes nas redações dos alunos revelavam seu sentimento de desvalorização e incapacidade. Para a autora, o declínio da espontaneidade e criatividade das crianças era causado pela própria escola que, rejeitando, desprestigiando e ridicularizando seu dialeto, impunha-lhes as convenções e as normas do dialeto-padrão culto. Essa repressão linguística associada ao autoritarismo do ambiente de sala de aula acaba por reduzir a expressividade, a espontaneidade e a criatividade das crianças. Ela deixa claro que não se trata de caracterizar esses alunos como menos capazes ou detentores de uma linguagem inferior: a questão é que eles estavam apenas iniciando sua vida escolar e já lhes tolhiam a capacidade comunicativa ao lhes imporem um dialeto que ainda não dominavam, ao mesmo tempo em que qualquer expressão carregada de regionalismo ou coloquialidade era rapidamente rejeitada. Como se expressariam nessas condições? Eglê afirma que o professor deve compreender a linguagem da criança e não tentar transformá-la de antemão.

Dessa forma a autora percebeu que seus alunos precisavam recuperar sua autovalorização, reconhecendo-se capazes de expressarem-se a si mesmos, interagirem com a professora e entre si de forma espontânea e livre. Seu objetivo era levá-los a progredirem em fluência e flexibilidade linguística, sem impor-lhes a norma culta como substitutiva de sua própria linguagem. Levá-los a compreender a necessidade de certas convenções para a inteligibilidade dos textos. Aquela valorização do dialeto da criança não deve afastar o aprendizado da norma culta, o aluno não deve ser privado de dominar esse segundo dialeto que lhe será tão necessário dentro da sociedade.

No segundo capítulo a autora começa a descrever algumas atividades que empreendeu na busca de que as crianças compreendessem que a linguagem pode ser usada de diferentes formas, e que há algumas variações dialetais que têm prestígio social e outras que não têm. Ela objetivava que as crianças entendessem que a norma culta, correspondente à linguagem das camadas sociais que detêm poder econômico, foi o dialeto definido como padrão justamente por ser uma variação socialmente prestigiada. Eglê definiu como um de seus objetivos que seus alunos compreendessem essa oposição entre o padrão culto e o popular e que fossem capazes de produzir frases e expressões em ambos os dialetos. Dessa forma, a professora propôs atividades escritas em que eles pudessem perceber essas diferenças nas falas do pedreiro, do padeiro, do delegado, da diretora etc. Todas essas atividades eram antecedidas por discussões orais e os alunos eram sempre lembrados de que nenhum desses dialetos é mais correto que outro. Depois de duas semanas, ela aplicou um questionário oral sobre toda aquela discussão a respeito dos usos da língua e uma tarefa escrita em que cada aluno deveria escrever um diálogo entre ele, enquanto “escritor escolarizado”, e personagens da sociedade como o pipoqueiro ou o lixeiro.

Após essa avaliação ela começou a introduzir as primeiras convenções da escrita, primeiro por meio de diálogos e dramatizações, depois aplicando as conclusões em trabalhos escritos, no que concerne à pontuação em frases interrogativas, afirmativas e exclamativas. Ela também aplicou um exercício em quadrinhos no qual eles pudessem escrever as falas nos balões compreendendo as sucessões de eventos e de diálogos e, depois, transcrevendo em forma de texto as conversas, com a pontuação adequada. De todas essas atividades a autora concluiu que os alunos, ao escreverem fazendo uso da norma culta, associavam a ela o uso de expressões de etiquetas sociais de boa educação. Também percebeu que pouco a pouco deixavam de inserir em seus textos expressões características de seu dialeto local, fazendo uso destas apenas quando queriam representar a fala de personagens de seu meio. Eglê afirma que a evolução das crianças no que diz respeito à pontuação e ortografia era resultado de sua estratégia de introduzir tais conteúdos passo a passo, fixando objetivos graduais e escalares que seriam exclusivamente considerados por ocasião das avaliações.

No capítulo três a autora descreve as atividades em que as crianças reproduziam estorinhas prontas. A reprodução era antecedida pela leitura expressiva da estória por parte da professora, pelo estudos dos recursos expressivos do texto, pela interpretação oral em grupo, pela ordenação e reordenação das unidades do texto e pela ilustração, feita pelas crianças, de eventos do texto. A reprodução seria o último passo dessa atividade. Durante o momento de estudo dos recurso expressivos do texto, as crianças teriam a oportunidade de aprenderem novas palavras, novas formas de conexo entre orações, o padrão da concordância verbal e nominal, entre outras convenções to necessárias prática da escrita em norma culta. Como avaliação para essas atividades de reprodução, a professora propôs a reprodução de um texto de uma aluna conhecida por todos na comunidade. Ela revela que apesar do caráter mimético da atividade, os alunos demonstraram espontaneidade e pequenas inovações de estilo em seus textos.

Eglê afirma que a passagem para a produção textual se deu quase imperceptivelmente para os alunos. Ela propôs um trabalho em quatro etapas: a primeira consistia em produzir um texto a partir de quadrinhos de uma estorinha previamente organizados segundo os acontecimentos; na segunda etapa, os quadrinhos não estariam ordenados; na terceira, a estorinha deveria ser escrita a partir de um parágrafo inicial dado; na última etapa os alunos produziriam um texto livremente a partir de estímulos diversos. A autora cita na segunda etapa uma estratégia utilizada por ela para estimular a interação entre os alunos: a redação coletiva. Essa atividade consistia em levá-los a discutir a respeito da ordenação correta dos quadrinhos, das possibilidades de invenção de fatos. Ela revela que essa prática se tornou habitual e que os alunos, colaborando uns com os outros, evoluíram em fluência linguística, ao compartilharem descobertas e evoluções. Uma atividade referente à última etapa destacada por ela como bem sucedida foi o trabalho do borrão: as crianças fizeram uma mancha com tinta em um papel e, a partir do desenho sugerido pela mancha, deveriam criar uma estorinha.

A autora afirma que a evolução das crianças foi excepcional, mas que apesar disso em alguns momentos algumas delas oscilavam entre um texto muito bem escrito e um trabalho “desastrado”, segundo suas palavras. Para que tais oscilações se tornem menos frequentes ela explica que há a necessidade de continuidade no trabalho do professor, de constância e paciência por parte de quem ensina.

Os alunos dessa turma, antes desvalorizados pelos outros e por si mesmos, passaram a considerar a escrita como uma forma de expressão pessoal, demonstrando espontaneidade tanto nas atividades orais quanto nas escritas. Agora eles compreendiam que sua linguagem não era errada. Compreenderam que havia uma norma-padrão a ser aprendida e que essa era importante para a inclusão deles na sociedade e no mundo da escrita. Seus textos agora apresentavam coesão. Houve um aumento significativo na fluência linguística daquelas crianças, cuja média de períodos por redação passou de 4,4 para 13,8. Agora eles compreendiam a existência de várias formas de conexão entre orações além da coordenação de sentenças: eram capazes de construir orações subordinadas temporais, causais, relativas, reduzidas, entre outras. Aquelas orações de complexidade mínima passaram de 90% para menos de 55% do total de orações utilizadas. Quanto ao domínio do dialeto padrão culto, eles passaram a fazer uso de formas pronominais átonas e a concordância verbal se dava mesmo em ambientes de posposição e distância do sujeito em relação ao verbo. De toda essa evolução, Eglê conclui que a forma mais fácil de levar as crianças a dominar o dialeto padrão culto é justamente respeitando e valorizando o seu dialeto próprio, dando-lhes um espaço para expressão e despertando a sua consciência quanto à existência das variações dialetais.

Redação na Escola é uma obra deslumbrante. Eglê Franchi demonstra que seu trabalho com essa turma de terceira série não se resumiu a uma pesquisa de campo. Ela demonstra ter empenhado todas as suas forças na busca da evolução dessas crianças no exercício da escrita. A abordagem sociolinguística da autora revela sua preocupação com a realidade daquelas crianças e desmistifica muitos aspectos relativos ao aprendizado da norma culta. A autora colocou no livro cópias das próprias redações dos alunos, o que dá uma ideia ainda mais próxima da realidade de seu trabalho em sala de aula. As atividades propostas se mostraram bastante criativas e instrumentalizavam os alunos para uma prática autônoma do ato de escrever. O livro é bastante útil para professores que desejam ver seus alunos aprenderem a fazer uso da escrita enquanto elemento de expressão pessoal.

Por Lorena Brandizzi

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