terça-feira, 6 de abril de 2010

O valor do altruísmo no filme "Prova de Fogo"

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Pesquisas têm mostrado que o número de divórcios tem subido cada vez mais ao longo dos últimos anos. Segundo matéria publicada no site do jornal O Estado de São Paulo (www.estadao.com.br), com base em pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o divórcio no Brasil, em 2007 a taxa de divórcio chegou a “1,49 por mil (1,49 divórcios por cada mil habitantes), crescimento de 200% em relação a 1984, quando era de 0,46 por mil. Em números absolutos os divórcios concedidos passaram de 30.847, em 1984, para 179.342 em 2007”. Diante de um quadro desses, sustentar que há uma outra solução para um casamento desgastado é algo extremamente complexo e igualmente polêmico.

Apesar das estatísticas, essa foi a proposta da Igreja Batista Sherwood, no estado norte-americano da Geórgia, ao produzir “Prova de fogo”. O filme retrata a história de um casal sem filhos cuja convivência se tornou insuportável devido à falta de diálogo e ao egoísmo, pois ambos estavam interessados apenas em seus respectivos planos e sonhos. A situação chega a um nível tão critico que a única solução vislumbrada pelo casal é o divórcio.

Para representar a situação desse casal os atores apresentam uma série de comportamentos considerados indesejáveis para uma relação conjugal. Apesar de seu caráter ficcional, o filme retrata situações frequentemente vividas por casais em crise. A concepção cristã do comportamento reprovável e prejudicial perpassa todo o filme. A falta de diálogo afeta profundamente a relação do casal que, com o passar dos anos, deixou de se comunicar, tanto pelo fato de que tudo se tornara rotina e criam não haver mais nada que compartilhar, quanto pelo fato de que ambos se dedicavam quase que exclusivamente aos seus próprios planos e rotinas. O egoísmo e o individualismo são temas reiteradamente abordados ao longo do filme. Na realidade, o enfraquecimento dos vínculos afetivos se mostra como resultado justamente desse afastamento do casal.

A primeira terça parte do filme apresenta os desentendimentos vividos pelos cônjuges, desentendimentos estes que têm seu ápice em uma discussão na qual, depois de ser cobrado pela esposa a respeito de suas responsabilidades no lar, o marido violentamente sugere o divórcio. Depois dessa discussão, a mulher decide definitivamente pela separação. Apesar de demonstrar querer o fim do relacionamento, o esposo, após ser insistentemente interpelado pelo pai, revela que, se fosse possível, desejaria, sim, salvar seu casamento, porém não acredita nessa possibilidade. O pai lhe oferece então um livro cujas instruções deveria seguir por quarenta dias.

O livro, composto por quarenta capítulos que continham instruções a respeito de como comportar-se, como tratar o cônjuge, que atitudes evitar e que hábitos cultivar, deveria ser lido e praticado todos os dias, um capítulo por dia. Por meio das instruções contidas neste livro o filme apresenta o perfil da “relação saudável”, verdadeiramente cristã. Dessa forma, em contraste com aquelas atitudes individualistas o esposo deveria esforçar-se para adotar um comportamento altruísta, solidário e atencioso.

Nos primeiros dias do desafio, o homem seguiu as orientações do livro sem, contudo, demonstrar sinceridade em seus atos. A mulher permaneceu indiferente à mudança do marido e chegou até a pensar e comentar com as amigas que o único interesse dele seria conquistar sua confiança para que ela não exigisse nada no divórcio. Percebe-se aqui, uma questão central da doutrina cristã: enquanto o homem não aliou às novas atitudes uma nova maneira de compreender a esposa, de amá-la, ele não obteve sucesso em suas investidas, ou seja, “A fé, por si só, se não for acompanhada de obras, está morta...” (Tiago II, v. 17, Bíblia Sagrada, Nova Versão Internacional, São Paulo, Editora Vida, 2001). Ao representar essa contradição o filme combate, mesmo que indiretamente, muitos dos comportamentos que são adotados no interior das famílias: de que adianta um esposo presentear a mulher talvez com o único objetivo de aplacar sua ira, se não nutre por ela um sentimento real que se revele por meio de atitudes até menores que um presente, como por exemplo, o simples ato de tomar para uma de suas responsabilidades em dias difíceis? Qual o valor de uma mesada para a vida de um filho, se este não tem a figura paterna presente em momentos de crise? De que vale um buquê de flores, um cartão com um “eu te amo”, se, na realidade, para o esposo, isso não passa de frivolidade? Nas entrelinhas das cenas que se sucedem, esses são alguns dos questionamentos que se percebem submersos.

A situação desse casal se complica ainda mais quando a esposa passa a ser seduzida por outro homem, também casado. A inserção de outro personagem comprometido na trama cria um interessante efeito. Se para esse segundo homem a traição se mostra como algo normal, externo à sua estrutura conjugal e incapaz de afeta-la, a tal ponto que ele não empreenda nenhum esforço em resistir à atração que sente por essa jovem, por que deveria o protagonista esforçar-se por salvar seu matrimônio, enfrentando a indiferença, o ódio e o desprezo de uma mulher que ele cria já não mais amar? Seria, talvez, mais fácil encontrar uma outra mulher prontamente disposta a retribuir-lhe a afeição.

Mesmo diante de tais conflitos o esposo não desiste, afinal, havia assumido um compromisso, primeiro com seu pai, depois consigo mesmo. Acostumado à disciplina, pois trabalhava como bombeiro militar, o homem persiste, até que aquelas simples atitudes deixam o domínio das “obras” para tornarem-se verdadeiras expressões de sua própria “fé”. Assim ele abandona, aos poucos e não sem sofrimento, o seu egoísmo, seu individualismo e chega à conclusão de que quer sim salvar seu casamento. A esposa demorará a reconhecer como verdadeiras as atitudes do marido, mas uma delas a surpreenderá a ponto de transformar o seu desprezo em admiração. Tal mudança se opera quando o marido abre mão de um sonho ao qual se dedicara nos últimos sete anos: a compra de um barco. Ele emprega todo o dinheiro que economizou na compra de equipamentos médicos para a sogra que sofria já há muito tempo com as dificuldades de uma esclerose múltipla. Nesse momento ela compreende que seu marido realmente havia mudado e decide, até, participar dessa mudança, ou seja, ela própria passa a querer abandonar seu comportamento egoísta em prol do seu casamento.

Ao apresentar de forma tão realista os conflitos desse casal os produtores do filme se esforçam por provar que o divórcio não é a única saída para os problemas matrimoniais e que, mesmo que um casal acredite que não haja mais amor no relacionamento, esse amor ainda pode estar lá, apenas aguardando ser despertado por simples atitudes, pelo simples ato de abrir mão de alguns sonhos individuais em benefício de um plano maior: a vida a dois.


Por Lorena Brandizzi

Outubro de 2009

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